28 de novembro de 2007

Venezuela - mais do mesmo ou uma nova oportunidade?

Texto de Helena Henriques




A Ana Rita e o Filipe desafiaram-me a escrever sobre Hugo Chávez e a Venezuela.


Estou renitente, é que no próximo domingo terá lugar a ruptura constitucional planeada pelo Presidente Chávez e é doloroso ver os vários apelos (de estrangeiros e de corajosos venezuelanos, porque não duvido que o contexto que vive a Venezuela torna eventualmente perigoso discordar do poder) aos venezuelanos para que acorram às urnas e votem em consciência - avaliando o que realmente está em causa e não a actuação do governo venezuelano, que é como quem diz, podem ser a favor de Hugo Chávez e discordar desta proposta colocada a referendo e que em bom rigor deveria ser discutida e votada por uma assembleia constituinte eleita democraticamente para o efeito - e não referendada no meio de simpáticas jornadas de seis horas de trabalho cuja viabilidade sequer se conhece.


É aflitivo ver que um país endossa a liberdade e o pluralismo desta maneira, que um país ignorou durante anos as mais prementes realidades sociais - sim porque alegremente se chegou ao ponto de ter 37,9% da sua população abaixo dos níveis de pobreza (números disponíveis no CIA world factbook, há quem fale mesmo de 50%) - mas há ricos, muito ricos e curiosamente, em Caracas apraz-lhes viver nas belas colinas, em condomínios fechados e guardados por forças para-militarizadas, até porque na colina vizinha estão os "cerros", os bairros de lata dos excluídos, a franja da população que apoia Chávez porque, até hoje, mais nenhum governante conseguiu chegar até eles, fazê-los sentir-se cidadãos.


Mais doloroso ainda é ver como a classe média e média baixa se sentem ameaçadas por tudo isto - o terror que sentem de ver o seu país transformado numa nova Cuba, uma Cuba de miséria e de pensamento único. Dói ver a sua incapacidade de entender que anos a ignorar e excluir outros cidadãos só podiam criar o conflito. Dói não vislumbrar a pacificação social, temer uma guerra civil.


E sobretudo custa ver a América Latina assim, aquele curioso novo mundo em que os imigrantes foram substituir a mão de obra escrava, e que talvez por isso, gera sociedades multirraciais em que a cor importa muito menos, em que as várias comunidades imigrantes se diluem numa sociedade alegre e quente que pouco tem a ver com os ascendentes europeus ou asiáticos e que podia muito bem ser a esperança de um novo modelo que substitua o esclerosado conservadorismo europeu - que apesar dos direitos humanos, ou da fórmula americana dos civil rights, saindo do formalismo dos direitos (e que já é alguma coisa, sem dúvida) tem muita dificuldade em ver o outro como seu igual, como alguém que convida para jantar em sua casa ou para partilhar umas férias, tem dificuldade em não achar que os seus séculos de história e tradição não lhe dão uma superioridade civilizacional sobre os outros - quando devia encarar a possibilidade de ser esse mesmo o seu ponto fraco, ou de olhar para si mesma e perceber que precisa desesperadamente de gente, sim, essa que pode vir de África, América e Ásia e sem a qual cairá de velha. De alguma forma é uma certa demonstração disto mesmo o que incomoda na gaffe do rei de Espanha na Cimeira Ibero-Americana.


Mas voltando ao assunto, uma coisa parece certa, ninguém fez tanto pelos excluídos venezuelanos como Chávez, e isso é alguma coisa de importante, pode ser um princípio para finalmente tirar desta encruzilhada um país riquíssimo em gente e recursos naturais, importante será não criar os novos excluídos ou entrar em aventuras irresponsáveis, neste ponto talvez Lula tenha um papel decisivo e... esqueçamos a Europa.




Texto de Helena Henriques

27 de novembro de 2007

Convite II

Depois de a primeira vez, com o psergio57, ter corrido tão bem, o Margem Esquerda repetiu, este mês, o convite a um comentador habitual para escrever um post.


A blogosfera discute diariamente a Venezuela e Hugo Chavez. sem aproveitar o fantástico recurso que é a opinião de alguém que lá nasceu e viveu - e, como tal, conhece aquela realidade a fundo.

Ora, nós quisémos aproveitar esse recurso e trazer aqui alguém que, mais do que analisar, perceba o que se passa no país.


O texto acima é da Helena Henriques!

Sondagem!

Este blog gosta de comemorações! Quando nos falta melhor motivo, comemoramos o 2º mês de existência. Desta vez, com o lançamento da nossa primeira sondagem!
Como nos aproximamos do final do ano, há que fazer um balanço da actividade política nacional. O Margem Esquerda escolheu levar a votos os momentos em que os nossos políticos nos fizeram, simultaneamente, rir às garagalhadas e gelar de horror. Os momentos trágico-cómicos da política portuguesa no ano de 2007!

Toca a votar!

PS - A lista de opções poderá ser aumentada se os actores da novela política se esforçarem muito nos próximos dias...

25 de novembro de 2007

A anedota do fim-de-semana

"O presidente da República de Timor-Leste, José Ramos Horta, vai propor hoje a nomeação do José Manuel Durão Barroso para Prémio Nobel da Paz..." (Público)

É para rir, não é?
É uma daquelas piadas inteligentes que poucos percebem, com certeza.
Mas é gira!

22 de novembro de 2007

O Orgulho de não beber Tagus

Eu não gosto da cerveja Tagus. Por isso, no que a mim me diz respeito, a marca não perde uma potencial cliente com a mais recente e vergonhosa campanha publicitária - a campanha que parte do slogan "Orgulho Hetero".
Mas, de qualquer forma, fico espantada por ainda haver quem, no maravilhoso mundo do marketing, pense que estas campanhas são positivas, isto é, que conquistam mais clientes do que aqueles que afastam... Porque esta campanha afasta inegavelmente uma faixa larga de mercado: os gays, obviamente, e todos os que odeiam boçalidades (e, felizmente, já vamos sendo muitos).
Eu, por mim, fico-me pela imperial da Super Bock e pela mini da Sagres. Estas marcas, pelo menos até ver, ainda não deram provas públicas de serem preconceituosas.

PS - Voltando ao argumento que já usei aqui, o que se diria se, em vez de "Orgulho Hetero", a campanha usasse o slogan "Orgulho Branco"?

21 de novembro de 2007

O Liberalismo e a Esquerda

No Esquerda Republicana, o Filipe de Castro distingue entre o liberalismo americano e o liberalismo europeu.
Diz-nos que os liberais do lado de cá do Atlântico se limitam a defender o liberalismo económico, não se preocupando com o verdadeiro liberalismo político. Daí que se aproximem muito mais dos neocons do que dos liberais do lado de lá do Oceano.
Eu concordo. Há muito tempo que o auto-designado liberalismo europeu deixou de o ser verdadeiramente! Primeiro, porque se ateve na defesa do liberalismo económico, depois, porque se aproximou a passos largos dos valores conservadores.
Hoje, no lugar da tradição liberal histórica, encontramos, isso sim, o neo-liberalismo, que mais não é do que a junção de uma defesa do mercado livre levada às últimas consequências com uma defesa dos princípios morais mais tradicionais. Thatcher e Reagan foram os expoentes máximos desta corrente neo-liberal, claro.
No fundo, isto significa que, na Europa, aquilo a que comummente chamamos liberalismo perdeu o seu núcleo fundamental, que era, logicamente, o das liberdades civis e políticas.
É por esta razão que os europeus associam o liberalismo à direita, enquanto que os americanos lhe atribuem a conotação à esquerda: porque, efectivamente, o liberalismo europeu se desvirtuou e, assim, recuou para a direita do espectro político.
Ser-se liberal, na Europa dos nossos dias, tem muito mais de burkeano do que de lockeano: é-se liberal na economia, mas conservador nos costumes.
É, talvez, por esta razão que, sempre que alguém de esquerda se diz liberal, há alguém que torce o nariz ou olha com ar surpreendido. Porque se pensa sempre no lado económico do liberalismo e não no seu lado mais importante, que está para lá do laissez faire, laissez passer e que é o do liberalismo aplicado à vida política e à vida civil dos cidadãos.
Mas a esquerda é, desde há muito, herdeira do liberalismo. Bernstein, “pai” da social-democracia, dizia, no início do séc. XX, que “não existe hoje um pensamento realmente liberal que não pertença também aos elementos do ideário socialista” (pág. 117, Socialismo Evolucionário).
E recomendava “alguma moderação ao declarar guerra contra o liberalismo”, porque, se era certo que “os partidos que tomaram o nome de liberais eram ou acabaram por converter-se em simples guardiães do capitalismo”, também era certo que “as qualidades espirituais” do liberalismo passaram para o socialismo democrático.
Para Bernstein, a social-democracia não queria fundar uma sociedade proletária, mas sim uma sociedade onde o proletário usufruísse dos direitos de cidadania, tal como definidos pelo movimento liberal. Hoje, as faixas da população a necessitarem de um alargamento de direitos serão outras, que não o proletariado; serão mesmo outros os direitos a necessitarem de defesa, porquanto os da época já se tornaram (mais consensuais). Mas o princípio mantém-se. E continua a pertencer à esquerda.

A corrente da pág. 161

Fui apanhada pela "carta em cadeia" da blogosfera!
O Igor, do Reino dos Fins, lançou-me o desafio:

1. Pegue no livro mais próximo, com mais de 161 páginas – implica aleatoriedade, não tente escolher o livro;
2. Abra o livro na página 161;
3. Na referida página procurar a 5.ª frase completa;
4. Transcreva na íntegra para o seu blogue a frase encontrada;
5. Aumentar, de forma exponencial, a improdutividade, fazendo passar o desafio a mais 5 bloggers à escolha.

Tinha 2 livros perto de mim: em era "trabalho", o outro era "conhaque". Uma vez que o último - Castelos de Cartão, da Almudena Grandes - tem apenas 158 páginas, tive de optar pelo livro "de trabalho": Cem Anos de Socialismo, vol. I, de Donald Sassoon, cuja 5ª frase da pág. 161 diz:
"A forma de organização que escolheram [os comunistas italianos] - a de um partido de massas apoiado por uma rede de associações colaterais - permitiu-lhes estabelecerem-se como uma referência constante do panorama político."

E as minhas cinco "vítimas" são:
- o Filipe Gomes, meu companheiro aqui no Margem Esquerda;
- a Helena Henriques, do Opaco;
- o Miguel Morgado, do Cachimbo de Magritte;
- o Helder, do Insurgente;
- o Daniel Oliveira, do Arrastão (que, estranhamente, ainda não foi atingido por esta "corrente").

20 de novembro de 2007

O Circo

"Os conselhos executivos de várias escolas estão a pressionar os professores do 2º e 3º ciclos (do sexto ao nono ano) para evitarem ao máximo dar notas negativas aos alunos já no primeiro período lectivo."
"Muitas escolas vão ser visitadas por inspectores até final de Dezembro, no âmbito do seu processo de avaliação e, como um dos critérios que terá maior peso para a “nota” é o índice de aproveitamento escolar dos alunos..." (Público)

Eis mais um capítulo da palhaçada em que se transformou o sistema educativo deste país...
Para o Ministério da Educação, as estatísticas e o lugar que nelas ocupamos tornaram-se um bem supremo, um valor absoluto, o fim último que merece todos os meios.
Este Ministério é de um provincianismo atroz... Pena é que sejamos todos, mesmo aqueles que já não usufruímos dos seus serviços, quem vai pagar toda esta irresponsabilidade dentro de apenas alguns anos...

15 de novembro de 2007

As estradas do Estado...

As vias de comunicação são um dos mais importantes elementos de coesão de qualquer território nacional e de sedimentação do poder do Estado. Os Romanos perceberam-no bem: os territórios conquistados eram automaticamente "inundados" de vias, que ligavam o mais remoto canto do Império à capital. Todos os caminhos iam dar a Roma.
Serve isto para dizer que este governo, não estando a privatizar as nossas estradas - porque a empresa que as gere se mantém com capitais públicos - está a abrir caminho a que, de futuro, se deite fora um património histórico que continua, milénios passados, a ter a sua razão de ser.
Mas com a passagem das Estradas de Portugal de E.P.E. a S.A. - mudança que faz com que a empresa possa, a partir de agora, ser privatizada -, o governo também abre caminho a que aquilo que tantos milhões custou aos cofres do Estado - e, como tal, aos bolsos de todos nós - e que tem servido de base ao nosso modelo de desenvolvimento, possa vir a ser entregue apenas a alguns.
Quer se tenha concordado ou não, a verdade é que Portugal condicionou o seu desenvolvimento a estas infra-estruturas (a "política do betão", lembram-se?). O modelo de desenvolvimento agora aponta para a inovação. Muito bem. Mas isso quer dizer que se pode alienar aquilo que foi quase desígnio nacional? Por muito que o anterior modelo estivesse errado (as comparações com a Irlanda são inevitáveis, já sei...), foi o modelo seguido pelo Estado português, com o inevitável esforço financeiro de todos nós. Abra-se agora a porta a fazer tábua rasa de tudo isto...
Mesmo que ESTE governo não esteja a pensar levar a cabo uma operação de privatização das Estradas de Portugal (o que eu até acredito), tem de ter a coragem de assumir que, a partir de agora, tal pode ser feito. E que, daí, advêm consequências. As que referi e outras, mais comezinhas, mas que afectarão provavelmente muito mais a nossa vida quotidiana...
Proceder a uma alteração deste tipo terá certamente vantagens ao nível da gestão (senão, provavelmente não se faria), mas é claramente um passo num sentido errado.

Partidos desideologizados, pragmáticos, mercantilizados

Há uns dias, o Filipe lançou-me um repto: desenvolver o tema das mudanças ao nível partidário causadas pelas mudanças ao nível das identidades sociais. Vamos, então, a isso!

Na transição das sociedades industriais para as sociedades pós-industriais (como a nossa), houve, de facto, uma alteração na construção das identidades sociais dos indivíduos.
Se, nas primeiras – sociedades de produção por excelência –, as identidades sociais mais não eram do que identidades de pertença, isto é, identidades dadas pelos grupos a que se pertencia, nas segundas – que são já sociedades de consumo –, as identidades são formadas por referência, nomeadamente através de referências consumistas (daí a importância das marcas e da publicidade, como referia o Filipe).
Construirmos a nossa identidade por pertença significava, assim, que cada um se definia pela classe a que pertencia, dado que o grande conflito social era – Marx acertou! – o conflito de classes.
Isto acarretava, como consequência prática, o facto de haver uma enorme correspondência entre clivagens sociais e clivagens políticas. Nas sociedades industriais, quase se podia saber em quem alguém votava, sabendo apenas em que classe social se inseria. Neste sentido, Gramsci dizia mesmo que os partidos eram os nomes políticos das classes sociais e Seymour Lipset falava das eleições como luta de classes democrática.
Este modelo era verdadeiro: os partidos da época organizavam-se de facto em função das clivagens sociais, fazendo, cada um deles, corresponder um modelo ideológico a cada sector da sociedade.
Os partidos conservadores e de direita baseavam-se sobretudo nas classes superiores, os partidos progressistas e de esquerda baseavam-se nas classes inferiores, os partidos centristas baseavam-se nas classes médias; havia uma sobreposição da religião com a direita e da secularização com a esquerda; mulheres, idosos e populações rurais tendiam a ser mais conservadores, enquanto que homens, jovens e populações urbanas tinham mais espaço entre os progressistas [Lipset, The Political Man]. A pertença ao grupo repercutia-se efectivamente no comportamento político.

Actualmente, porém, isto já não acontece de forma tão pura e perfeita: o conflito social pulverizou-se em múltiplos conflitos, tornando-se, por isso, menos identificável, o que quer dizer que a determinação social do voto diminui.
Hoje, já não nos definimos tanto pela classe a que pertencemos, em grande parte devido ao facto da mobilidade social (e cultural) ser muito superior à das sociedades industriais, mas também porque os meios de comunicação assumem um papel incomensurável na formação das identidades, logo, também na formação do sentido do voto. Voto que se torna, assim, muito mais volátil.
Perante esta quebra das influências sociais e consequente aumento da flexibilidade eleitoral, os partidos mantiveram-se onde estavam? Claro que não! Passaram antes a agregar indivíduos de várias classes, tornaram-se mistos e heterogéneos.
Desde a Segunda Guerra Mundial que os partidos de integração e de representação vão dando lugar aos catch all parties, partidos onde vigora o imediatismo pré-eleitoral, partidos mais de eleitores do que de militantes, partidos sem classe gardée, isto é, partidos que não têm um sector do eleitorado guardado para si, precisamente porque a fidelidade partidária diminuiu exponencialmente.

É isto, então, o que temos hoje: partidos onde a ideologia perdeu fortemente terreno, partidos pragmáticos e sem grandes horizontes históricos, partidos mercantilizados, que se assumem, cada vez mais, como empresas que oferecem produtos aos seus consumidores.

13 de novembro de 2007

Topos de gama legais

"Ministério da Justiça garantiu esta quarta-feira que a aquisição de cinco viaturas topo de gama ocorreu «no estrito cumprimento do enquadramento legal». " (PortugalDiário)

Parece-me que a questão não era tanto saber se a operação era ou não legal, mas se era ou não moral... É que em tempos de crise, com pedidos de sacríficios contínuos, com cortes orçamentais no dito ministério, gastar quase 200 mil euros em cinco carros, quando, provavelmente, quem os vai usar (altos cargos do ministério) tinha os antigos à sua disposição...

PS - Um destes topos de gama "foi atribuído ao presidente do IGFIEJ, João Manuel Pisco de Castro", o Instituto de Gestão Financeira encarregue de (NÃO) pagar as oficiosas aos advogados.

12 de novembro de 2007

Aznar é fascista? Não

Já calculava que tivesse de vir a explicar por que razão disse que gostei que Chavez tivesse chamado "fascista" a Aznar.
O Helder, do Insurgente, pergunta-me claramente por que o fiz, explicando-me que não se pode aplicar tal epíteto ao ex-primeiro-ministro espanhol, dado que o fascismo surgiu da "família" socialista, que, claramente, não é a de Aznar.
Até aqui de acordo. Aznar é fascista? Não! Sobre isso não tenho a mais pequena dúvida!
Mas é, então, incoerente ter gostado de o ver ser assim chamado - tanto mais que não nutro qualquer espécie de simpatia por Chavez (a quem chamo, no mesmo post, "projecto de ditador", o que Helder parece esquecer...)? Também julgo que não.
Aznar teve atitudes autoritárias inacreditáveis ao longo dos seus mandatos. Atitudes que tiveram o apogeu na sua despedida de primeiro-ministro. Alguém se lembra da censura (e aqui uso o conceito de censura em todo o seu "esplendor") de que foi alvo a comunicação social espanhola no pós-atentado de Atocha? Nesses dias, muitos espanhóis tiveram que recorrer exclusivamente a canais estrangeiros para ouvir a versão verdadeira sobre a autoria do atentado, porque os seus órgãos de comunicação apenas passavam a versão oficial: a de que tinha sido levado a cabo pela ETA. Alguém se recorda da razão? Porque havia eleições legislativas dentro de dias e Aznar sabia que o seu partido as podia perder se se soubesse ser um atentado fundamentalista islâmico...
Se não fosse o facto de vivermos na era da globalização - e, como tal, a informação circular de forma incontrolável pelos poderes governamentais -, alguém distinguiria esta atitude da velhinha censura das ditaduras europeias do séc. XX (fascistas, socialistas, conservadoras)? Não!
Aznar não é fascista, mas teve, ao longo do seu governo, comportamentos autoritários (de que o final é só exemplo mais explícito). E se é verdade que o autoritarismo não é exclusivo do fascismo (nem o define, por si só), também é verdade que foi em regimes deste tipo, bem como em regimes comunistas, que o autoritarismo foi mais longe.
Chamar fascista a Aznar é exagerado, sim, mas é impossível, a quem detesta tiques autoritários por parte dos governantes, não sentir (e a palavra é mesmo "sentir") que o epíteto tem alguma pertinência.

11 de novembro de 2007

Margem Esquerda na rádio

Para quem não ouviu, mas gostava de ouvir o programa do Pedro Rolo Duarte de hoje, na Antena 1, em que participaram os autores deste blog, basta ir aqui (link também na barra do lado esquerdo).

Depois, é só seleccionar, de entre a lista de programas (ordenada por ordem alfabética), "Pedro Rolo Duarte" - "programas disponíveis", para aceder ao arquivo dos útimos seis programas do nosso entrevistador.
O programa de hoje, em que participámos, deve ficar on-line ainda hoje (ou talvez amanhã) e vai ser o primeiro dessa lista de seis programas (que, de qualquer forma, indica a data em que passou em antena e o nome dos entrevistados em cada programa).

Para quem quiser, não há que enganar!

10 de novembro de 2007

Um rei sem poderes manda calar um projecto de ditador...

... mas o que eu gostava mesmo de perceber é o que é que Juan Carlos faz naquela Cimeira. É que estes monarcas constitucionais, a bem dizer, não têm poderes políticos reais - e ainda bem, digo eu, já que não foram eleitos. Logo, não há razão para estarem presentes em reuniões políticas, certo?

PS - Gostei que Chavez tivesse chamado fascista a Aznar.
PS 2 - E gostei da resposta de Zapatero: “Pode estar-se nos antípodas de uma posição ideológica, e eu não estou próximo das ideias de Aznar, mas ele foi eleito pelos espanhóis e exijo esse respeito” (Público).

O dia em que me desiludi com a "Visão"

A Visão é (era?) o meu órgão de comunicação preferido. Assino-a há anos, leio -a todas as semanas, concedo-lhe a máxima credibilidade. Nunca me desiludiu. Até hoje!

Ao ler a edição desta semana, deparei-me com um artigo - de título "Estranhas alianças" (não consegui linkar...) - que versava sobre os casamentos em que um dos cônjuges é homossexual. Dito assim, nada de mau parece advir. Pois... Mas, o ângulo de abordagem foi o pior possível!
O artigo - de seis páginas, seis - começa com um "Há quem acredite que é possível ter o melhor de dois mundos, sem perder nenhum." e diz lá pelo meio que "Homossexuais e bissexuais continuam a casar com alguém do sexo oposto, mesmo quando já não precisam de fazê-lo, numa sociedade mais aberta.".
Pergunto eu: quem é a autora do artigo para julgar quem quer que seja? Que eu saiba não é isso que se exige a um jornalista... Mesmo tendo investigado o tema, como é possível dizer-se que um homossexual se casa a pensar em conjugar o melhor de dois mundos? Ou que, se hoje já temos uma sociedade tão "boazinha" para os gays, porque é que estes insistem em querer casar-se com alguém de sexo diferente?!

Até aqui, tudo mal, mas iria ainda ficar pior. Quase a terminar, havia que dar voz aos "especialistas", pois claro. Até para que nós, leigos ignorantes, engolíssemos estes disparates!
Vai daí, toca de lembrar as "pesquisas" do psiquiatra Van den Aardweg, que considerava a homossexualidade "um transtorno de tipo neurótico desenvolvido na infância ou na adolescência".
Já chega? Não. Há ainda que citar Margarida Cordo, terapeuta familiar - ao que consta... - que segue casos em que o cônjuge homossexual se quer "tratar" e que nos diz, então, que "A homossexualidade é um transtorno da identidade sexual, uma doença e tem recuperação.".
E pergunto eu, mais uma vez: a que propósito é que a Visão dá voz, espaço e até holofotes (porque o artigo tem chamada na capa) a gente desta?! É que já ninguém mentalmente e moralmente saudável pensa desta forma. "Ouvir os dois lados da questão", como nos ensinam as escolas de jornalismo, não significa ouvir os loucos!
Gostava de saber se a Visão citaria alguém que dissesse este tipo de alarvidades a respeito de outros assuntos, a respeito dos negros, por exemplo. Claro que não! Porque alguém que se mostrasse preconceituoso nessa área não seria - e bem, e muito bem - considerado especialista de coisa nenhuma.

Não percebo, juro que não percebo, como é que a Visão trata este tema, sob este ângulo, com estar observações, ouvindo gente desta…

9 de novembro de 2007

Eh!Eh!Eh!

"A CNE decidiu ainda instaurar processos de contra-ordenação ao Partido Nacional Renovador e aos movimentos Plataforma Não obrigada, Mais Aborto Não e Juntos pela Vida por não terem prestado contas dos gastos e despesas com a campanha." (PortugalDiário)

8 de novembro de 2007

Gravação na Antena 1

Hoje não houve posts, porque os autores aqui do Margem Esquerda estiveram, na Antena 1, a participar na gravação do próximo programa homónimo do Pedro Rolo Duarte. A entrevista aos dois bloggers aqui da casa vai, então, passar na rádio no próximo domingo, às 11h da manhã, horário habitual do programa.
Sintonizem!

7 de novembro de 2007

Tenham paciência: Santana está a adaptar-se

Pois o debate não correu como Santana Lopes queria!
Diz que se está a adaptar "no regresso a estas lides"... O que Santana ainda não percebeu é que não se devia adaptar, devia mudar de estratégia, devia, por exemplo, começar a trabalhar um bocadinho de vez em quando para dar um arzinho de quem sabe do que está a falar. É que o mito de que é imbatível em debates, que é um tribuno temível, etc., etc., etc. já caiu por terra há uns anos!
Ainda assim, Santana ainda vai dizendo que hoje é que vai ser, que hoje é que vai ter a sua intervenção... Pois... Claro...

Política lusa

Não deixa de ser estranho que, há cerca de uma semana, os deputados do PS tenham votado contra a proposta do CDS de incluir a vacina contra o cancro do colo do útero no plano nacional de vacinação, com o argumento de falta de bases científicas, para agora o governo PS a vir incluir no orçamento, independentemente dos resultados dos estudos técnicos...

Estando ou não no Orçamento...

É impressão minha ou a trapalhada das Estradas de Portugal ficou mal explicada? Esteja ou não no Orçamento, quer-me parecer que há mais "vida" para além disso, nesta história... Claro que era o orçamento que ontem estava em discussão, mas aquilo que interessa à opinião pública tem muito mais que ver com privatizações, portagens, prazos de concessão, enfim, tudo o que ainda não se percebeu como se vai processar no futuro.
Louçã puxou por Sócrates, mas este não se descoseu. Aguardemos para ver os contornos reais em que este processo se vai desenrolar e esperemos não vir a ter mais um caso semelhante ao da Lusoponte...

E o PCP? Que tal esteve o PCP?

Mais do que a proposta de descida do IVA de 21% para 20%, no próximo ano (e para 19% em 2009), gostei de ouvir as críticas do PCP à manutenção dos benefícios fiscais para o offshore da Madeira.
O tema está velho e gasto, mas, enquanto continuarmos a enterrar ali milhões de euros, todos os anos, faz sentido trazê-lo "à baila".

6 de novembro de 2007

E o derby?

O Benfica-Sporting de hoje, que devia ter tido lugar no Parlamento, foi um flop. Mas só quem não conhecesse Santana Lopes podia esperar algo diferente... Como sempre, não fez o "trabalho de casa" e foi superficial. Com ele a dirigir o grupo parlamentar do PSD, Sócrates vai ganhar sempre por falta de comparência do adversário!

Boas notícias

"O primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou hoje a ampliação dos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), que passará a integrar pela primeira vez um programa nacional de saúde oral, a vacina contra o cancro do colo do útero e o apoio à procriação medicamente assistida." (Público)

5 de novembro de 2007

Alguns aspectos da esquerda

Dentro do grande tema que é a definição da esquerda dos nossos dias, a obra de Nick Cohen não é das melhores. What's Left? (no título original) tem, no entanto, lugar de destaque por ter sido traduzida para português.
Mais do que a crítica à esquerda liberal, construída a partir da oposição desta corrente à guerra do Iraque (teoria com a qual não concordo inteiramente), interessam-me outros pontos de vista do autor. Pontos de vista que ficaram hoje delineados na entrevista ao Público:

1. "O que tento fazer é mostrar como algumas ideias que começaram na extrema-esquerda, que nasceram dos restos do socialismo, nos movimentos trotskistas, anarquistas, anti-globalização, nas franjas como você diz, se transformaram em ideias comuns do maisnstream liberal."
A verdade é que muito daquilo que tem servido para caracterizar a esquerda em geral - e o centro-esquerda em particular - nos últimos 10 anos tem tido a sua génese nos partidos de "extrema-esquerda". Exemplo disso são as chamadas "questões fracturantes", geralmente trazidas para a agenda - política e mediática - por estas forças mais extremistas, gerando, posteriormente, a adesão das forças mais "moderadas". Exemplos concretos: a despenalização do aborto, do consumo de drogas leves, casamentos homossexuais, etc.
Não sendo o facto negativo por si (porque os resultados têm sido importantes), é de estranhar que sejam as "franjas" a empurrar o "mainstream" e não o contrário. Neste processo, encontramos uma inversão daquilo que era o sentido tradicional da esquerda: uma passagem da defesa dos direitos sociais para uma defesa muito mais acérrima dos direitos individuais. Goste-se ou não, é um facto que veio para ficar. O que interessa perceber é que este facto nasceu no extremo e só depois tomou o centro. Não foi, pois, o centro que inflectiu consciente e coerentemente o seu fluxo de actuação, por o considerar mais importante nos dias que correm.

2. "O que perdeu, o que o Labour deixou cair, foi o sentido de missão, de fé."
Esta é (infelizmente) característica comum aos vários governos de centro-esquerda. Ao tornarem-se mais pragmáticos, ganham algo, mas perdem muito. Se os dogmas não são bons conselheiros, também é facto que a perda das utopias faz com que a identificação dos eleitores (de esquerda) esmoreça. Aos partidos de centro-esquerda falta, pois, aprenderem a conciliar pragmatismo - indispensável à governação - com valores políticos coerentes e horizontes a atingir - indispensáveis à credibilidade e à adesão.

3. "As mulheres muçulmanas que vivem na Europa, por exemplo, deviam poder contar com o apoio da esquerda para se poderem emancipar. Mas, por causa do dogmatismo sobre o multiculturalismo, não podem. É a esquerda que hoje lhes diz: isso é a vossa cultura. E qualquer pessoa que se lembre de criticar essa cultura em termos mais duros é logo acusada de ser islamofóbica e racista."
É verdade que a esquerda erra ao fazer do multi-culturalismo um bem supremo. Neste ponto, no entanto, acho que a crítica não se pode aplicar tanto aos partidos de centro-esquerda. Mas este é um discurso que parte de algumas esquerdas e que devia ser, em parte, abandonado. Em parte, porque, se, até um certo ponto, o discurso multi-culturalista promove a tolerância - o que é altamente positivo -, a partir de certa altura, o mesmo discurso abre espaço ao relativismo.

A ler!

A entrevista de Nick Cohen, autor de O que Resta da Esquerda?, agora publicado pela Aletheia, no Público de hoje!

1 de novembro de 2007

(In)sucesso escolar

Coincidentemente, na semana em que a ministra da Educação veio anunciar a descida da taxa de insucesso escolar no ensino secundário, a filha de uma amiga minha, que frequenta o 11º ano, estudava a VÍRGULA e o COMPLEMENTO DIRECTO para um teste de Português...
Com objectivos cada vez mais reduzidos para cada nível de ensino, com os níveis de exigência a roçarem o ridículo, com os meninos a aprenderem no secundário aquilo que eu aprendia na primária, é realmente muito fácil fazer subir as taxas de sucesso das nossas criancinhas.
Não ter negativa, no 11º ano, por se saber identificar complementos, numa análise morfológica, é diferente de não ter negativa, no mesmo ano, por se saber fazer um comentário coerente sobre o "Sermão de Stº António aos Peixes", não? A mim, de repente, parece-me que é mais fácil agora... E que isto não indica sucesso nenhum.

Traçado do TGV segundo a CIP

Fui eu que percebi mal, ou, segundo o estudo da CIP (ou melhor, o estudo sabe-se lá de quem, coordenado pela CIP), para se ir de Lisboa ao Porto (ou do Porto a Lisboa) de TGV, os utentes têm que ir fazer "inversão de marcha" à outra margem?!
Sai-se de Lisboa em direcção ao Norte? Não, sai-se em direcção ao Sul, atravessa-se o Tejo e, no terminal do aeroporto de Alcochete, é que se toma a direcção que realmente se pretende... Volta-se, portanto, a atravessar o Tejo (noutra zona, claro, senão era demasiado escandaloso) e segue-se para Norte!! E vice-versa, claro!
Além da incongruência óbvia (que até um miúdo de 5 anos consegue distinguir), esta proposta é imoral. Primeiro, porque a sua construção dificilmente sairá mais barata do que a construção de uma linha, digamos, "normal". E somos todos nós quem paga estes devaneios.
Depois, porque uma linha com este traçado faz com que uma viagem de 300 km passe a somar mais uns poucos, tornando-se, por isso, mais demorada e mais cara.
Pagamos mais do que seria necessário para ser feita, pagamos mais do que seria necessário para a usarmos e demoramos mais tempo a chegar ao nosso destino! Parece-me que é a solução perfeita...