Dentro do grande tema que é a definição da esquerda dos nossos dias, a obra de Nick Cohen não é das melhores. What's Left? (no título original) tem, no entanto, lugar de destaque por ter sido traduzida para português.
Mais do que a crítica à esquerda liberal, construída a partir da oposição desta corrente à guerra do Iraque (teoria com a qual não concordo inteiramente), interessam-me outros pontos de vista do autor. Pontos de vista que ficaram hoje delineados na entrevista ao Público:
1. "O que tento fazer é mostrar como algumas ideias que começaram na extrema-esquerda, que nasceram dos restos do socialismo, nos movimentos trotskistas, anarquistas, anti-globalização, nas franjas como você diz, se transformaram em ideias comuns do maisnstream liberal."
A verdade é que muito daquilo que tem servido para caracterizar a esquerda em geral - e o centro-esquerda em particular - nos últimos 10 anos tem tido a sua génese nos partidos de "extrema-esquerda". Exemplo disso são as chamadas "questões fracturantes", geralmente trazidas para a agenda - política e mediática - por estas forças mais extremistas, gerando, posteriormente, a adesão das forças mais "moderadas". Exemplos concretos: a despenalização do aborto, do consumo de drogas leves, casamentos homossexuais, etc.
Não sendo o facto negativo por si (porque os resultados têm sido importantes), é de estranhar que sejam as "franjas" a empurrar o "mainstream" e não o contrário. Neste processo, encontramos uma inversão daquilo que era o sentido tradicional da esquerda: uma passagem da defesa dos direitos sociais para uma defesa muito mais acérrima dos direitos individuais. Goste-se ou não, é um facto que veio para ficar. O que interessa perceber é que este facto nasceu no extremo e só depois tomou o centro. Não foi, pois, o centro que inflectiu consciente e coerentemente o seu fluxo de actuação, por o considerar mais importante nos dias que correm.
2. "O que perdeu, o que o Labour deixou cair, foi o sentido de missão, de fé."
Esta é (infelizmente) característica comum aos vários governos de centro-esquerda. Ao tornarem-se mais pragmáticos, ganham algo, mas perdem muito. Se os dogmas não são bons conselheiros, também é facto que a perda das utopias faz com que a identificação dos eleitores (de esquerda) esmoreça. Aos partidos de centro-esquerda falta, pois, aprenderem a conciliar pragmatismo - indispensável à governação - com valores políticos coerentes e horizontes a atingir - indispensáveis à credibilidade e à adesão.
3. "As mulheres muçulmanas que vivem na Europa, por exemplo, deviam poder contar com o apoio da esquerda para se poderem emancipar. Mas, por causa do dogmatismo sobre o multiculturalismo, não podem. É a esquerda que hoje lhes diz: isso é a vossa cultura. E qualquer pessoa que se lembre de criticar essa cultura em termos mais duros é logo acusada de ser islamofóbica e racista."
É verdade que a esquerda erra ao fazer do multi-culturalismo um bem supremo. Neste ponto, no entanto, acho que a crítica não se pode aplicar tanto aos partidos de centro-esquerda. Mas este é um discurso que parte de algumas esquerdas e que devia ser, em parte, abandonado. Em parte, porque, se, até um certo ponto, o discurso multi-culturalista promove a tolerância - o que é altamente positivo -, a partir de certa altura, o mesmo discurso abre espaço ao relativismo.
5 de novembro de 2007
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1 comentário:
«é de estranhar que sejam as "franjas" a empurrar o "mainstream" e não o contrário. »
é? Pois, eu acho que a ordem natural das coisas é uma nova ideia (seja ela qual for) coeçar por ser minoritária e só depois passar a maioritária.
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