No seu discurso no Parlamento, Sócrates apontou três razões para avançar para a ratificação do Tratado por via parlamentar. Vamos traduzi-las.
1. "Não faz sentido fazer um referendo numa matéria de tão amplo consenso nacional".
Será que a ideia é a de que, sendo PS, PSD e até CDS favoráveis ao novo Tratado, os cidadãos que neles votaram também o serão? Será que a ideia é a de que havendo 90% de deputados a votar "sim" nesta ratificação parlamentar, também haveria a mesma percentagem de eleitores a dispor-se no mesmo sentido? Não, a ideia não é essa.
Sócrates sabe que este argumento não é verdadeiro. O que se passa é que, por um lado, o primeiro-ministro tem receio que muitos dos votantes nos três partidos acima referidos tenham, de facto, uma opinião diferente destes relativamente ao Tratado. Há muito boa gente que votou PS, PSD e CDS e que votaria conscientemente "não" num referendo sobre o Tratado de Lisboa. E Sócrates sabe-o bem.
Por outro lado, Sócrates também sabe que haveria quem votasse neste referendo contra ele. Votaria "não", não por estar contra o Tratado em si, mas por estar contra as políticas internas do governo. (Na minha opinião, não seriam assim tantos os que o fariam. Mais facilmente imagino um eleitor a abster-se, do que a fazer este raciocínio. Também se disse que, em França, os eleitores tinham rejeitado o Tratado por esta razão e, nas eleições seguintes, viu-se que o descontentamento dos franceses não era grande ao ponto de mudarem o seu sentido de voto...) De qualquer forma, há sempre quem o faça, engrossando, assim, as fileiras do "não".
No fundo, Sócrates sabe que um referendo sobre esta matéria não seria um passeio, tal como nos parece fazer crer.
2. "Não faz sentido fazer um referendo porque a ratificação nos parlamentos eleitos pelo povo é igualmente democrática e devemos ter o sentido da responsabilidade de não pôr em causa a legitimidade dos processos em curso nos outros países europeus".
Esta razão é fácil de escrutinar. Se no ponto anterior, Sócrates revelava medo dos cidadãos portugeses, neste diz-nos que todos os líderes europeus tem medo dos respectivos eleitores. Aquilo a que o primeiro-ministro chama "responsabilidade" é, na verdade, um acordo entre os chefes europeus para que não se corresse, em nenhum dos Estados, o risco de os cidadãos não o aprovarem.
E, assim, a Europa "dos cidadãos" continua a ser feita pelas elites, a Europa "democrática" evolui de costas viradas para todos nós, sem nos ouvir, com medo de nós!
3. "... não faz sentido fazer um referendo porque isso não se justifica face ao conteúdo do Tratado de Lisboa, que é diferente do Tratado Constitucional e era para esse, que já não existe, que havia um compromisso eleitoral de fazer um referendo."
Esta é a razão-anedota. Toda a gente sabe que a maioria do conteúdo do Tratado Constitucional está contido no Tratado de Lisboa, Giscard d'Estaign - pai da dita Constituição - lembra-o a quem o quiser ouvir (como postámos aqui), o próprio Sócrates já o afirmou convictamente. Mudou-se o nome do Tratado, é certo, retiraram-se as referências à bandeira e ao hino, mas o conteúdo está lá em grande parte (em enorme parte), pelo que a promessa de o referendar também deveria manter-se... Obviamente...
12 de janeiro de 2008
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1 comentário:
"E, assim, a Europa "dos cidadãos" continua a ser feita pelas elites, a Europa "democrática" evolui de costas viradas para todos nós, sem nos ouvir, com medo de nós!"
Mas será que têm medo de nós, rebanho liderado por um lobo com pele de carneiro? Eis o povo português!
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