4 de janeiro de 2008

A injustiça dos encerramentos

Eu até acho que as razões apontadas para o encerramento de alguns serviços de urgência e maternidades são válidas, do mesmo modo que o eram os motivos que levaram ao fecho das escolas com poucos alunos. A garantia de segurança que uma equipa médica pouco treinada não proporciona, ou a falta de desenvolvimento das capacidades sociais que uma escola com um, dois ou três alunos não permite, por exemplo, parecem-me realmente importantes.
Mesmo o critério económico tem, de facto, que estar presente quando se pensa no mapa de serviços públicos: um médico ganha o mesmo quer faça dois partos por mês, quer faça dois partos por dia; um professor ganha o mesmo para ensinar uma criança ou trinta crianças. É impossível não pensar em rentabilizar recursos.

Porém, também acho que este tipo de serviços não existe para dar lucro. Deve, em muitos casos, existir, apesar de dar prejuízo. Porque existe para servir pessoas. Pessoas que, além do mais, pagam impostos para que lhes sejam prestados esses serviços!
Não advogo um serviço de urgência em cada esquina, nem uma escola em cada aldeola, mas parece-me que falta a quem nos governa uma visão transversal dos serviços públicos. Explicando melhor, parece-me que a lógica inerente a este processo de encerramentos de serviços não é uma lógica de conjunto, parece-me que não se pensa globalmente nos vários serviços existentes - de educação, de saúde, de justiça, etc -, mas antes que cada ministério procede apenas à elaboração ao seu mapa específico de prestação de serviços, encerrando onde entende que deve encerrar, abrindo (?) onde entende que deve abrir.
No fundo, o mapa dos serviços de saúde é feito e refeito sem olhar para o mapa dos serviços de educação, o da educação não tem em atenção o mapa judiciário, e assim sucessivamente.
Conclusão: há populações que se vêem privadas, não de uma escola para as suas cinco crianças, não da urgência nocturna, que era pouco usada, não da comarca do burgo, que despachava poucos processos, mas de todos os serviços a que estavam habituadas e, ainda por cima, num curto espaço de tempo.

As razões de cada ministério podem, por si só, ser válidas, mas a concentração das várias razões dos vários ministérios traduz-se, por vezes, numa situação de injustiça. Por exemplo, fecha-se a escola na aldeia A, porque tinha poucos alunos, e estes passam a ir frequentar a escola na vila B. Mas, mais tarde, fecha-se o SAP da vila B, que a aldeia A já usava, para que as urgências médicas dessas dessas populações se passem a fazer na vila C. Neste processo, a aldeia A vê-se privada da escola que tinha, mas também do serviço de urgências a que se habituara.
Falta-nos, então, um mapa de conjunto da prestação de serviços públicos, um mapa em que se entendam, senão mesmo se sobreponham as várias divisões administrativas, de modo a que não haja quem veja tudo aquilo a que tem direito, enquanto cidadão e também enquanto contribuinte, empurrado para longe de si.
Cada organização sectorial, por si só, poderá parecer racional e eficiente. Mas a organização global parece-me que se torna cada vez menos equitativa.

2 comentários:

Helena Henriques disse...

Realmente é o mínimo que se pode dizer, e ninguém se tem preocupado em demonstrar que não são esses os critérios, ou quais são os tais critérios e o que se pretende com tudo isto, ou seja, que SNS ou S educativo se planeia com estas reformas. E realmente não se percebe porquê cobrar os mesmos impostos a quem vive no esquecido interior.

samuel disse...

Os burocratas que nos não "governando" não olham para o país real... uns porque são betos demais para sequer se preocuparem com isso, outros porque pertencem ao género mais perigoso de provinciano, aquele que passa a odiar a "província" de onde veio.