2 de fevereiro de 2008

"É a Cultura, estúpido!"

Era óptimo que se aproveitasse a mudança de ministros da Cultura para se começar a levar a cabo uma verdadeira política cultural. Por verdadeira, entendo uma política estruturada, com pés e cabeça. E, já agora, que possa ser-nos revelada.
No que à cultura diz respeito, os últimos anos têm sido inexistentes... Para além da instalação da Colecção Berardo no CCB e de uma pequena parte da colecção do Hermitage ter vindo fazer turismo a Lisboa, estes anos são marcados por uma sucessão de disparates, ora trágicos, ora risíveis.
Está na altura de sabermos, então, o que é que este governo pretende como política cultural. Ao longo dos anos, habituámo-nos a ver o ministério da Cultura como a secção que dá subsídios. Ora a uma clientela, ora a outra, consoante o ministro e os seus amigos.
Há quem defenda que esses subsídios devem ser maioritariamente canalizados para obras de autor, de vanguarda, mesmo que sejam susceptíveis de atrair pouquíssimo público; há quem defenda que devem ser atribuídos a La Féria e Companhia, porque esses enchem as salas; há quem ache que vale a pena abrir museus com acervos vergonhosos e horários de fecho às 17 horas; há quem pense que museus é coisa do passado... Há de tudo! Só não sabemos o que há no ministério...
Estaria talvez na altura de se clarificar se se pretende que a Cultura continue presa à ideia de subsídio como esmola e não como resultado do mérito dos projectos; se se pretende continuar a investir sectorialmente, ou avançar para uma política transversal; se se pretende que a Cultura continue a ser um tema de duas cidades, ou algo que diz respeito a todo o país...
Desde há uns tempos para cá que o discurso positivo acerca das "ciências e tecnologias" tem, como outra face, a desvalorização daquilo que conhecemos, de forma geral, por Cultura. Desde o desinvestimento no ensino superior das áreas humanísticas e artísticas até à inexistência de políticas culturais coerentes, tudo se conjuga para que História, Filosofia, Letras, Artes sejam consideradas áreas elitistas que não devem ser promovidas ou incentivadas (muito menos, pagas...), porque em nada irão beneficiar o país, o crescimento do país, o progresso do país, a diminuição do défice do país... O que interessa, nos dias de hoje, é criar riqueza, sendo que riqueza é número, é mensurável, contabilizável...
É também contra este discurso e os seus pré-conceitos que se deve guiar uma política cultural. Porque este é um discurso que apenas nos empurra para o embrutecimento, para o (espante-se!) empobrecimento enquanto seres humanos.

6 comentários:

Helena Henriques disse...

Penso que desde Carrilho, não será muito justo falar de atribuição arbitrária de subsídios, uma vez que desde o seu consulado os subsídios passaram a ser regulamentados em concursos que me parecem perfeitamente aceitáveis, o que deixou de haver é dinheiro. Quanto a La Féria, eu acreditava que era pacífico que o teatro comercial não era subsidiável, uma vez que o subsídio pretende garantir a sustentabilidade da actividade em causa neste caso desnecessária, e que a discussão era se esta sustentabilidade deveria ou não ser garantida - eu acredito que sim, por ser importante garantir a diversidade cultural, e por ser claro que num país sem hábitos culturais estas actividades não sejam sustentáveis, embora os critérios para avaliar quem deve ou não receber os ditos subsídios sejam discutíveis. Falar em duas cidades é redutor, neste momento há uma rede de teatros que, em alguns casos têm um investimento e programação interessantes, como o Viriato em Viseu, a Casa das Artes de Famalicão ou o Centro Cultural Vila Flor em Guimarães. Há muito por fazer e principalmente parece haver um desinvestimento incompreensível já que a cultura é vista como área prioritária no desenvolvimento sustentável pela UE, cuja presidência foi portuguesa até há dois meses... eu diria que é caso para dizer como S. Tomé, olhem para o que eu digo...

Anónimo disse...

A revista norte-americana TIME dedicou um dos seus números recentes à cultura francesa e dizia que a França é a nação que mais subsidia a cultura, mesmo escritores, poetas para não falar em cineastas, autores de teatro, músicos, pintores, etc. e tem um Ministério da Cultura com dezenas de milhares de funcionários que,obviamente, não produzem cultura e nunca como agora, o Mundo virou as costas à cultura francesa e os franceses são os primeiros a saber.

Nos EUA, ninguém subsidia a cultura e a nação americana domina o Mundo cultural - bem ou mal?

A Alemanha também subsidia uma cultura que já ninguém conhece. Até há uma espécie de casa do escritor que podem lá trabalhar e viver sem pagar e a receber subsídios todos os jovens escritores que se proponham escrever algo. As obras saídas dessa "casa do escritor" são insignificantes e poucas foram traduzidas.

Pessoalmente, não acredito que criatividade possa ser subsidiada. Ela surge mesmo em condições difíceis como nos revelam as histórias da literatura, pintura, filosofia, etc.

Nas décadas de cinquenta e sessenta a Europa produziu muito e bom cinema, literatura, poesia, filosofia, etc. e nada era subsidiado. Quando o Estado começou a subisidiar morreu o neo-realimos italiano,a música francesa e da filosofia ficou Sartre, Derrida e a Escola de Frankfurt, sem subsídios, claro.

Dieter

Helena Henriques disse...

Dieter, gosto dessa visão romântica do criador tísico, principalmente quando inserida num mundo cada vez menos romântico - em que os escritores aborreceram-se e estão em greve há meses - este é um ponto. Mas há mais, a cultura americana domina ou será a grande indústria de entretenimento? E mesmo a esse nível, diz-se que Hollywood está em crise. Acha que a companhia Bill T Jones/Arnie Zane vive das bilheteiras? Não só há subsídios como o mecenato funciona. E quer comparar o enorme mercado americano ao nosso, um país que ainda há pouco tempo sofria com largas taxas de analfabetismo? E é só a cultura que é subsidiada ou não haverá investimento estrangeiro subsidiado? É que as isenções e subvenções também são formas de subsídio. Não terão os franceses, a nível de artes de palco, como dança e novo circo companhias fortíssimas requisitadas em todo o mundo? A Pina Baush não é alemã? Curioso, são artes em que a língua é uma barreira menor. Parece-me que anda aqui muita análise rápida.

Anónimo disse...

Dieter,eu também sou contra os subsidios as artes e a cultura porque isto só prova que os regimes que seguem apenas a criação de riqueza não são capazes de gerar inteligencia, sensibilidade e diversidade. A destruição da Cultura (com C grande) permitiria a instalação da consciencia das desigualdades e provavelmente a luta armada e a destruição do sistema. É preciso manter um nicho de diversidade, originalidade e diferença sob o risco de estragarem o sistema dominante. E nós não queremos isso, pois não?

Anónimo disse...

Interessante esta visão da cultura transformadora na vanguarda da transformação social e como alavanca na tomada de consciência de classe ( leia-se injustiças geradas pelo sistema )como ponto de partida para a revolução e transformação do sistema. Porque não se há-de subsidiar a cultura se os nossos impostos servem para a nova corrida ao armamento nos países do 1º e 2º mundo, porque não hão-de servir as sobras dos nossos impostos para apoiar as artes!? Subsidiar a criação, a investigação, a ciência a massa cinzenta; é muito mais útil que qualquer petardo, mina ou bomba. Cultura = Transformação = Consciência de nós.

Helena Henriques disse...

Concordo com a Verónica, embora ao que ela chama consciência de classe, eu chame consciência social e mentalidade. Percebo o perigo da cultura 'colaboracionista', mas são disfunções do sistema, pode-se sempre melhorá-lo - e depois lembremo-nos do João César Monteiro, não foram uns subsídios que lhe tiraram a irreverência.