A historiografia de esquerda, que tem sido predominante desde o 25 de Abril, tem passado a mensagem de que a I República foi uma era dourada, que se seguiu à fase de inacreditável afundamento nacional que foi a monarquia constitucional.
Efectivamente, durante estes anos, o que aprendemos nas escolas escamoteava o facto de, a partir de 1910, se ter proibido o direito à greve; o facto de se ter reduzido significativamente o corpo de eleitores, ao retirar-se o direito de voto aos analfabetos, que já o exerciam na recta final da monarquia; o facto de ter vigorado censura na imprensa (durante a Primeira Guerra, os jornais apareciam mesmo com espaços em branco, com cruzes por cima, nas zonas que deviam ser ocupadas por notícias sobre a participação portuguesa na guerra), depois de se ter vivido, durante o período monárquico, uma fase de bastante liberdade de expressão (era possível a Bordalo Pinheiro caricaturar rei e ministros nas páginas dos jornais); o facto de se viver num regime de partido dominante, que impedia manifestações e reprimia opositores.
Durante todos estes anos, a verdade é que as maiores críticas que ouvimos à I República tiveram que ver com o facto de ter sido um período de grande instabilidade política, em que os Presidentes se sucederam à velocidade da luz, e de incapacidade para resolver os problemas que herdou da monarquia e os novos que lhe surgiram.
Porém, agora, parece que assistimos ao nascer da tendência oposta! Agora, é a historiografia de direita que parece querer escamotear a verdade dos factos relativos ao final da monarquia. A propósito dos 100 anos sobre o assassinato do rei D. Carlos, tudo se pode dizer de positivo sobre o seu reinado!
D. Carlos gozava, é certo, de prestígio na Europa e era um bom diplomata (o que lhe permitiu interceder com sucesso junto de alguns dos nossos credores internacionais), o que claramente não é (não foi) suficiente para garantir que os destinos políticos do país iam no bom sentido.
Para além disto, o rei - que, na época, "reina, mas não governa" - tinha que se interessar suficientemente pelo país político, de forma a saber "lê-lo" e "interpretá-lo". Ou seja, um rei "constitucional" (agora usa-se o adjectivo como sendo um grande elogio... não percebo porquê...) não conduzia o poder executivo, mas escolhia o chefe de governo de acordo com a ideia que tinha sobre quem seria a pessoa mais indicada para enfrentar os problemas do país no momento, pelo que tinha que conhecer os problemas e as soluções. Eram escolhas pessoais. Foi aqui que D. Carlos falhou. E isto significa que foi um mau chefe de Estado!
Portugal vivia, desde o ínicio da monarquia constitucional, com um sistema eleitoral que favorecia (e aplaudia) o "caciquismo" (expressão que dura até hoje...) e as suas "chapeladas", vivia em constante bancarrota, governado por ministros incompetentes... A corrupção, as "luvas", a crise financeira não surgiram com a I República.
Mas a tudo isto, D. Carlos somou a nomeação de João Franco como primeiro-ministro e a concessão da possibilidade de este governar em "ditadura", isto é, sem o Parlamento. Somou ainda a sua falta de tacto na gestão da crise do "mapa cor-de-rosa" e do Ultimatum inglês.
Foram escolhas pessoais de D. Carlos que se deveram a uma má leitura dos factos... Podem tentar dizer agora que o rei era altamente preparado para o cargo. De que serviu, se não soube agir em conformidade? D. Carlos não soube ser chefe de Estado de um país europeu pobre e em convulsão, no início do séc. XX. Se o rei tivesse sabido estar à altura do que lhe era exigido, todos lhe perdoariam os gastos, as caçadas em Vila Viçosa, a oceanografia militante...
A verdade é que D. Carlos era um Saxe-Coburgo Gotha, um espírito artístico, culto, curioso e bon vivant, que pouco tinha que ver com a "piolheira" nacional... Mas nada disto serve para dourar o seu reinado e, consequentemente, o final da monarquia.
Num país tendencialmente monárquico, como é o nosso, foi necessário que a monarquia tivesse batido no fundo, tivesse escancarado a sua incompetência, o seu desinteresse, a sua falta de coragem, para que se pudesse implantar um regime republicano.
E é isto que a nova (velha?) historiografia parece agora querer fazer esquecer...
2 de fevereiro de 2008
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