29 de abril de 2008

A direita portuguesa

Há uma semana, no programa Prós e Contras, Ângelo Correia disse que o PSD não podia "ter uma posição liberal numa sociedade que não tem liberais". Por liberal, entenda-se liberal no sentido económico e não no sentido civil...
Toda a gente pareceu concordar e não se gastou muito mais tempo a discutir aquilo que pareceu uma evidência. Mesmo Pedro Passos Coelho, enquanto enunciava propostas claramente liberais do ponto de vista económico (privatização da RTP e da CGD, por exemplo), fez questão de não discordar da afirmação.
Fora dos blogs, parece que, neste país, todos os defensores do Estado-mínimo e da economia de mercado desregulada têm medo de assumir a sua posição. Ora eu (que até sou adepta de uma economia mista e que não concordo com a maior parte das medidas ditas liberais que ultimamente se vão enunciando) acho estes receios muito estranhos...
A direita tem medo que, ao assumir o seu caminho natural - o do neo-liberalismo puro e duro - os votos lhe escapem. Será? Ao contrário do que se apregoa, o discurso liberalizante tem provavelmente muitos mais adeptos do que a esquerda gostaria e a direita imagina...

Em Portugal, as coisas chegam tarde e por vezes "ao contrário" relativamente a outros pontos da Europa. Em geral, foi o centro-esquerda que se redefiniu em função das transformações ocorridas primeiramente no centro-direita. Mais do que a queda do muro de Berlim, foram os governos de Tatcher, Reagan ou Khol que mais fizeram pelo despoletar de uma transformação ideológica profunda à esquerda. O "New Labour", por exemplo, só surgiu depois de os britânicos considerarem, por quatro vezes consecutivas, que eram as políticas dos tories as que mais lhes agradavam. Foi o inclinar das populações para a direita, visível nas sucessivas vitórias dos partidos liberais e conservadores, que levou a esquerda seguir o mesmo "caminho", aproximando-se cada vez mais do centro político.
A teoria tem, então, uma excepção: Portugal! Aqui, a direita não é conservadora, nem liberal, nem nada de muito específico, por isso o PS tratou de fazer o caminho de aproximação ao centro, à semelhança dos seus congéneres europeus, sem que houvesse uma pressão ideológica para isso.
O PSD viu-se expulso, pelo rival directo, do confortável espaço central em que se tinha instalado, estando agora naquela fase em que se poderá limitar a perder eleições. Tal como noutros países e durante as décadas de 80 e 90, os partidos de centro-esquerda se viram empurrados para fora do seu discurso e prática tradicionais pelos resultados eleitorais miseráveis que mantinham.

Em Portugal, é, então, o PSD (e o PP, caso ache que vale a pena continuar a existir) que tem de se esforçar por encontrar o seu novo discurso ideológico se quiser continuar a existir. Parece que os "barões" acham que o liberalismo é mau caminho... Mas têm eles outro por onde escolher?

4 comentários:

Igor Caldeira disse...

Olá Rita,
é muito interessante esse tipo de afirmações. É como dizer-se que em Portugal não há socialistas, ou comunistas, ou conservadores, ou bons comedores de spaghetti. Quer dizer, dos "puros", não dos outros.

Ora, antes de se dizer que em Portugal não há liberais, quem o afirma deveria definir "liberal".

Toda a gente aceita facilmente que ser a favor de uma maior liberdade das mulheres ou dos casamentos homossexuais não basta para ser liberal.
Mas, por exemplo, ser a favor de um maior peso da Igreja Católica (como até os mais "liberais" do PP defendem) é ser liberal? A economia basta? Basta dizer-se: privatizem-se as Forças Armadas para se ser liberal.

Ora, claramente, não. Há inúmeras correntes. Basta ver os partidos que estão na ALDE, por exemplo. Ou a Internacional Liberal. O PLD japonês e o Partido Liberal canadiano partilham a mesma internacional e no entanto...

Estranhamente, em Portugal disseminou-se a ideia de que o único liberalismo verdadeiro (o dos "puros", o dos "bons") é um ultraliberalismo egoísta (diferente de individualista) na economia e uma espécie de conservadorismo envergonhado(quando não um reaccionarismo descarado) travestido de liberalidade modernaça mas com respeitinho, muito respeitinho pelas instituições tradicionais.

Carlos Rebola disse...

Cara Rita
Cá pra mim Portugal precisa é de "CPA" Cidadania Permanente e Activa... É preciso que os portugueses não deixem que os outros decidam por eles (nós)...

Abraço
Carlos Rebola

Ana Rita Ferreira disse...

Igor, não podia estar mais de acordo. Escrevi um post há uns meses sobre isso. Chamava-se "o liberalismo e a esquerda", se bem me lembro...

Carlos, concordo consigo: cidadania precisa-se! O estado de apatia relativamente à coisa pública é algo assustador...

psergio57 disse...

A discussão sobre o liberalismo e sobre o afastamento registado ao longo de um século da sua matriz ideológica esbarra com algo que é atávico em Portugal: o atraso económico endémico e a falta de elites políticas capazes.
A degraçada originalidade da dialética na relações económicas e sociais à Portuguesa nunca foi suficiente para criar nos políticos respeito (medo) pelos seus votantes.

Tal como na América do Sul, na nossa história recente o exército esteve quase sempre por trás das mudanças políticas. Vivemos uma realidade híbrida ainda marcada por uma ruralidade que nunca se proletarizou verdadeiramente.
Por outro lado nunca houve em Portugal um verdadeiro Estado Social (exemplo disso é o nosso SNS que de 'tendencialmente gratuito' vai deixando de o ser) por isso não temos pontos de referência sobre como mantê-lo ou desmantelá-lo.

Não é preciso ser economista ou vidente para prever que o liberalismo económico empurra o Mundo (e Portugal por arrasto) para uma crise social muito profunda. Esperemos que, com o chapéu de chuva europeu, nos consigamos manter a salvo de consequências mais dramáticas que assolam o Mundo subdesenvolvido.

Os Portugueses não parecem estar muito vocacionados para a Cidadania Política Activa do comentário anterir. Seria melhor que acordassem. O respeitinho é muito bonito e o insuportável 'centrão' que nos tem (des)governado tem de aprender a temer quem os põe no Poder.