8 de maio de 2008

A liberalização do mercado de trabalho

Não deixa de ser engraçado que aqueles que defendem a liberalização do mercado de trabalho ainda não tenham percebido que os seus argumentos são do domínio da crença. Depois de tantas críticas ao materialismo histórico de Marx, deviam pelo menos ter aprendido que, em política, é melhor não profetizar demais...
Em vez de permitir um aumento do crescimento económico, uma maior estabilidade dos preços e até uma taxa de desemprego mais reduzida, o mercado de trabalho flexível e desregulado abre, muitas vezes, caminho à tendência contrária.
Veja-se o exemplo da Grã-Bretanha, pós-Thatcher. No final da era de maior liberalização económica a que já assitimos num país europeu, o desemprego atingia o seu ponto mais elevado desde o final da II Guerra Mundial, a inflação continuava elevada e o crescimento da economia nunca mais atingiu os valores das décadas de 50 e 60, a época em que era consensual a necessidade de existência de regulação e de um Estado Social.
Patrick Minford, um dos conselheiros da "dama de ferro", defendia que se intoduzisse legislação anti-greve, que as pequenas empresas fossem isentas da aplicação de leis de protecção do emprego, que a legislação sobre higiene e segurança no trabalho deixasse de ser vinculativa, defendia que o despedimento sem justa causa passasse ser livre, que indemnizações e pré-avisos, licenças de maternidade e direito de voltar ao trabalho depois do parto, tudo isso fosse abolido «de uma ponta à outra» [Unemployment: Cause and Cure]. (Donald Sassoon chama-nos a atenção para o facto de esta personagem não propor, no entanto, a reinrodução do trabalho infantil...)
Thatcher não foi tão longe, é certo. Apesar de "there is no such thing as society", a malta votava... No entanto, muitas das medidas liberalizantes propostas por Minford foram seguidas durante o seu governo. E, como consequência, no início dos anos 90, Finlândia, Suécia ou Noruega, com os seus mercados de trabalho «rígidos» e «altamente» regulados, apresentavam melhores resultados do que a Grã-Bretanha.
A ideia de que mercados totalmente liberalizados, são mais eficientes, é um logro. Aquilo a que passou a ser consensual chamar «obstáculos» ao crescimento da economia e à diminuição do desemprego é, pelo contrário, aquilo que ainda nos mantém numa sociedade minimamente coesa.

7 comentários:

Anónimo disse...

Desde logo, não deixa de surpreender o facto de o Minford não demandar a reintrodução do trabalho infantil. Acho que isso se deveu a que, no fundo, a tal questão não estar contemplada pelos programas da Escola de Chicago, de onde procediam todas as ideias de Minford, e aquelas que Tatcher adquiria de M. Friedman via Pinochet. Será que ainda a herança dos Chicago Boys é presente nos nossos governos, embora se digam à esquerda.
Parabéns pelo blog.

Anónimo disse...

Cara Ana Rita,

o problema português é que a nossa protecção ao emprego é muito maior do que alguma vez foi nos paises nórdicos, que apesar de tudo são mais ricos do que nós.

Depois, o grande problema da elevada protecção ao emprego surge não na taxa de desemprego, mas nos fluxos do mercado de trabalho. A esse propósito, se comparar por exemplo o mercado norte-americano com o português chegará à conclusão que os Estados Unidos tem tido taxas de desemprego semelhantes à portuguesa, mas apresentam uma duração média do desemprego três vezes inferior à portuguesa. Em Portugal a taxa de desemprego reflecte sobretudo o tempo que um individuo demora até encontrar emprego, nos Estados Unidos da América reflecte a constante entrada e saida de pessoas dos seus empregos (o quit para ir atrás de um emprego melhor).

Ana Rita Ferreira disse...

Conjura dos Meios, obrigada!

Jorge, não me parece que os nossos direitos laborais fiquem atrás dos dos países nórdicos. Pelo contrário, há lá mecanismos com que nós não podemos nem sonhar... Basta pensar nas célebres licenças de maternidade/paternidade escandinavas, naquilo que ainda é a Casa do Povo sueca, nos períodos de férias alemães... E, apesar de tudo isso, são, como disse, muito mais ricos que nós!

Anónimo disse...

Cara Ana Rita,

"não me parece que os nossos direitos laborais fiquem atrás dos dos países nórdicos."

Em 1999:
http://bp1.blogger.com/_3tNySdWvJsY/RjZzmvqzMKI/AAAAAAAAAXY/3K1VfbGwEd8/s1600-h/a.bmp

Em 2004:
http://www.treasury.gov.au/documents/1157/Images/Image_6.gif

Anónimo disse...

O link para os dados de 2004 correcto:
http://www.treasury.gov.au/documents/1157/Images/Image_6.gif

Anónimo disse...

"E, apesar de tudo isso, são, como disse, muito mais ricos que nós!"

Pois são, convém é explicar quando geraram a sua riqueza. Portugal antes de gerar riqueza quis implementar um modelo de protecção ao emprego ainda mais audacioso do que o dos nórdicos.

E a Ana Rita quer que tudo se mantenha na mesma? Vamos é ficando cada vez mais pobrezinhos, e as pessoas, pensando que é isso que as salva, vão-se agarrando ao pouco que julgam ter.

Ana Rita Ferreira disse...

Jorge, não consegui ver os dados de 2004. De qualquer forma, não se esqueça que, entretanto, o nosso Código Laboral foi revisto e foram introduzidas significativas alterações.
No entanto, não deixa de ser engraçado que, na altura em melhor se viveu neste país (1999), estivessemos no topo da protecção ao emprego europeia...

Porém, no campo dos direitos laborais, não incluo apenas a protecção ao emprego per se. Acho, aliás, que esse é apenas um dos pontos a ser alterado em caso de liberalização total do mercado de trabalho. Porque, com despedimentos mais flexíveis, todos os outros direitos se tornarão também eles muitíssimo mais flexíveis... Ninguém se sentirá na obrigação de cumprir qualquer direito se puder despedir facilmente quem reclama o seu cumprimento.

Jorge, não quero que tudo fique na mesma. Mas também não quero que a maioria da população saia prejudicada de um processo que visa enriquecer-nos e que a experiência demonstra que, geralmente, tem o efeito oposto. Preferia que estes processos não fossem encarados como inevitabilidades históricas, porque podem efectivamente não o ser. Aquilo, aliás, que a História recente (segunda metade do séc. XX até hoje)nos demonstra é que crescemos menos à medida que flexibilizamos mais... E que os problemas sociais se agravam em igual medida...
No fundo, eu prefiro os problemas sociais europeus acompanhados das nossas legislações laborais «rígidas», do que a flexibilidade americana e os problemas sociais que se encontram nos EUA...