Texto de Helena Henriques
A Ana Rita e o Filipe desafiaram-me a escrever sobre Hugo Chávez e a Venezuela.
Estou renitente, é que no próximo domingo terá lugar a ruptura constitucional planeada pelo Presidente Chávez e é doloroso ver os vários apelos (de estrangeiros e de corajosos venezuelanos, porque não duvido que o contexto que vive a Venezuela torna eventualmente perigoso discordar do poder) aos venezuelanos para que acorram às urnas e votem em consciência - avaliando o que realmente está em causa e não a actuação do governo venezuelano, que é como quem diz, podem ser a favor de Hugo Chávez e discordar desta proposta colocada a referendo e que em bom rigor deveria ser discutida e votada por uma assembleia constituinte eleita democraticamente para o efeito - e não referendada no meio de simpáticas jornadas de seis horas de trabalho cuja viabilidade sequer se conhece.
É aflitivo ver que um país endossa a liberdade e o pluralismo desta maneira, que um país ignorou durante anos as mais prementes realidades sociais - sim porque alegremente se chegou ao ponto de ter 37,9% da sua população abaixo dos níveis de pobreza (números disponíveis no CIA world factbook, há quem fale mesmo de 50%) - mas há ricos, muito ricos e curiosamente, em Caracas apraz-lhes viver nas belas colinas, em condomínios fechados e guardados por forças para-militarizadas, até porque na colina vizinha estão os "cerros", os bairros de lata dos excluídos, a franja da população que apoia Chávez porque, até hoje, mais nenhum governante conseguiu chegar até eles, fazê-los sentir-se cidadãos.
Mais doloroso ainda é ver como a classe média e média baixa se sentem ameaçadas por tudo isto - o terror que sentem de ver o seu país transformado numa nova Cuba, uma Cuba de miséria e de pensamento único. Dói ver a sua incapacidade de entender que anos a ignorar e excluir outros cidadãos só podiam criar o conflito. Dói não vislumbrar a pacificação social, temer uma guerra civil.
E sobretudo custa ver a América Latina assim, aquele curioso novo mundo em que os imigrantes foram substituir a mão de obra escrava, e que talvez por isso, gera sociedades multirraciais em que a cor importa muito menos, em que as várias comunidades imigrantes se diluem numa sociedade alegre e quente que pouco tem a ver com os ascendentes europeus ou asiáticos e que podia muito bem ser a esperança de um novo modelo que substitua o esclerosado conservadorismo europeu - que apesar dos direitos humanos, ou da fórmula americana dos civil rights, saindo do formalismo dos direitos (e que já é alguma coisa, sem dúvida) tem muita dificuldade em ver o outro como seu igual, como alguém que convida para jantar em sua casa ou para partilhar umas férias, tem dificuldade em não achar que os seus séculos de história e tradição não lhe dão uma superioridade civilizacional sobre os outros - quando devia encarar a possibilidade de ser esse mesmo o seu ponto fraco, ou de olhar para si mesma e perceber que precisa desesperadamente de gente, sim, essa que pode vir de África, América e Ásia e sem a qual cairá de velha. De alguma forma é uma certa demonstração disto mesmo o que incomoda na gaffe do rei de Espanha na Cimeira Ibero-Americana.
Mas voltando ao assunto, uma coisa parece certa, ninguém fez tanto pelos excluídos venezuelanos como Chávez, e isso é alguma coisa de importante, pode ser um princípio para finalmente tirar desta encruzilhada um país riquíssimo em gente e recursos naturais, importante será não criar os novos excluídos ou entrar em aventuras irresponsáveis, neste ponto talvez Lula tenha um papel decisivo e... esqueçamos a Europa.
Texto de Helena Henriques