24 de outubro de 2007

"Não" ao Tratado igual a "sim" à saída da UE?!!!

Vital Moreira continua a manter aqui que o referendo ao Tratado Reformador não faz sentido, uma vez que, sendo um documento complexo, não permite que as pessoas compreendam o que, de facto, se pretende decidir.
No entanto, relativamente aos posts anteriores mais recentes, acrescenta que, "por princípio", considera que "os referendos devem incidir sobre questões políticas concretas, a ser depois vertidas em leis ou tratados pela AR".
Abre, assim, caminho para o que vem depois dizer aqui: faça-se, então, um "referendo europeu a sério, ou seja, um referendo sobre a permanência de Portugal na UE"!! Na sua opinião, o Tratado devia ser ratificado pelo Parlamento e, depois, perguntava-se ao povo português se o país deveria ou não manter-se na União Europeia. E sugere mesmo a pergunta: "Portugal deve sair da UE?" (espera-se que os cidadãos saibam o que quer dizer "Portugal", "sair" e, especialmente, "UE"...)

Esta ideia - que terá certamente muitos defensores - mantém o caminho de que já falei aqui: atirar areia para os olhos dos cidadãos e brincar com o regime democrático.
Primeiro, Vital Moreira faz a sua análise esquecendo sempre que, durante a campanha eleitoral para as legislativas, todos os partidos defenderam o referendo ao Tratado. Esquece, pois, que, independentemente da sua opinião pessoal, há uma obrigação moral dos partidos (nomeadamente PS e PSD) de levarem o Tratado a referendo, porque o prometeram aos seus eleitores. A análise das questões concretas não pode ser feita friamente, colocando a ética política de lado. Vital Moreira pode manter a sua posição de princípio, mas, simultaneamente considerar que, neste caso, uma vez que foi prometido e que as promessas são para se cumprir, deve haver referendo.

Em segundo lugar, Vital Moreira brinca com a ideia de referendo. Sugerir que se referende a saída de Portugal na UE só pode ter esse nome: brincadeira! É óbvio para todos que essa é uma não-questão. Todos sabemos que a grande (enorme, gigantesca) maioria dos portugueses não deseja abandonar a UE. Actualmente, poucos contestam a integração europeia; contesta-se, sim, o caminho seguido nessa integração (principalmente, a partir de agora).
Levar a refrendo a questão proposta por Vital Moreira significa, por isso, brincar às eleições. O que é que se pretende? Sabe-se, à partida o que iria (felizmente) acontecer: uma votação albanesa no "não" (não deve sair da UE, claro). Porquê gastar recursos e tempo (político) com um referendo deste tipo? Cheira-me que para, no final, retirar ilações "alargadas" dizendo que o desejo de permanência na UE equivale a um "sim" ao Tratado Reformador (ouviríamos certamente dizer que os portugueses tinham compreendido que o Tratado - que era ilegível e, como tal, irreferendável - se ajustava aos caminhos que a Europa tinha pela frente, etc.)...

Sabendo que seria acusado de estar a entrar por caminhos demagógicos com esta proposta de referendo, Vital Moreira encontra uma fórmula para se proteger: "a generalidades dos opositores dos tratados de revisão são na verdade contra a UE". Não é verdade!!
São muitos europeístas que não se revêem neste Tratado. Ou porque a futura figura do Presidente do Conselho deixará de ser desempenhada pelos primeiros-ministros ou Presidentes, rotativamente, de TODOS os Estados-membros; ou porque a Comissão deixará de ter um comisário por país; ou porque se vê o poder dos pequenos países dimínuido e o dos grandes países aumentado; ou porque a carta dos direitos sociais abandonou o articulado para passar para um anexo (o que, obviamente, lhe confere menor importância); ou porque as decisões deixarão de ser tomadas por unanimidade de países; ou porque este Tratado, apesar das novidades introduzidas, em nada clarifica como realmente se vai processar a política externa e de defesa europeias; ou...
Enfim, são muitas as razões pelas quais são muitos os defensores da UE que se opõem a este Tratado! São, pois, muitos os que votariam "não" num referendo ao Tratado e, simultaneamente, votariam "não" no referendo relativo à saída da UE! E é isso que Vital Moreira sabe perfeitamente. Sabe perfeitamente que, no primeiro caso, o risco de o "não" ao Tratado ganhar é elevado, enquanto que, no caso que sugere, a probabilidade de vencer a hipótese de saída da Europa é inacreditavelmente baixa. Com o primeiro, o governo ver-se-ia metidos num imbróglio; com o segundo, recolheria louros. É essa a questão política concreta...

10 comentários:

Anónimo disse...

Bom post, só há algo que me deixa intrigado, falar de moral politica e cumprimento de promessas associado ao partido do gorveno...

Mais areia para os olhos? como se pode exigir moral a alguém que cedo demonstrou, que praticamente todas as promessas eleitorais foram feitas com o unico propósito de chegar ao poder?

É caso para dizer " Um pouco mais de rigor p.f.f."

Helena Henriques disse...

Em primeiro, quem ganha um referendo é a abstenção; segundo é evidente que o tratado não pode ser referendado, o que pode ser referendado é a pergunta se o país deve ou não ratificar o dito; terceiro, claro que o documento é de difícil leitura, deixou de ser uma "constituição" para ser um tratado que deve ser lido em conjunto com os outros tratados; quarto, não estão certamente à espera de a 27 poder manter os direitos que tínhamos a 15, é preciso sermos realistas, sob pena de sermos convidados a sair. Por tudo isto parece-me que o texto do Vital Moreira merece uma melhor reflexão.

Anónimo disse...

Quanto ao Pedro Gh não devo deixar de lembrar-lhe que " a moral politica e o cumprimento de promessas" é efectivamente areia para os olhos, MAS VEM DE TODOS OS PARTIDOS! Não acha correcto?

Anónimo disse...

Discordo da Ana Rita, concordo com Vital Moreira.

Não faz sentido referendar um tratado só porque ele nos impede de despachar um Cardoso e Cunha para Bruxelas para ele não chatear por cá. Essa rega de haver um comissário por país é uma imbecilidade de todo o tamanho, só serve para arranjar jobs for the boys e para despachar para Bruxelas gajos que por cá não fazem nada de jeito, como o Durão Barroso.

Não concordo com a forma como a UE é gerida. Mas não é este tratado que vai piorar, de qualquer forma sensível, essa forma.

Portanto, acho que Vital Moreira tem razão. A verdadeira questão não são os detalhes da forma como a UE é gerida. (Por exemplo, ninguém vai fazer um referendo para determinar se o governo português deve ter 10 ministros ou 20.) A verdadeira questão é a democraticidade da UE. E essa questão não será melhorada nem piorada com este tratado. E outra verdadeira questão é se queremos pertencer à UE ou não - e nessa questão, como a Ana Rita bem diz, não há quaisquer dúvidas.

Luís Lavoura

Ant.º das Neves Castanho disse...

Concordo com a Ana Rita (e consequentemente discordo aí de Vital Moreira), mas numa única questão: os Partidos prometeram e não vão cumprir!


Em tudo o mais concordo com Vital Moreira e, sobretudo, com a arguta Helena Henriques.


Em todo o caso, a questão europeia continua a ser demasiado mal explicada aos Cidadãos...

Anónimo disse...

Concordo que infelizmente, Maquiavel continue a ser utilizado por todos os partidos para alcançar o poder, agora isso não justifica que se recorra constantemente a esta forma de fazer politica...talvez brevemente, isto venha a ser alterado, depende dos eleitores e de uma visão esclarecida dos dirigentes politicos.

Estar contra o Tratado não significa estar contra o UE.

A questão que se põe e que deveria ser colocada em referendo é se queremos uma Federação Europeia, ou não.

Se se quiser estar com meias conversas e demagogias sobre o assunto, tudo bem, mas não existe necessidade nenhuma de o fazer.

Se queremos mais moral politica esse caminho deve ser iniciado por cada um de nós.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Meia conversa é aquilo que pedro gh propõe. A outra metade desta conversa é: então e se não quiseres uma Europa Federal, aceitas ficar de fora?


Ah...

psergio57 disse...

Se a democracia representativa não o é porque baseia a representação em falácias (cada vez mais despudoradas); se os cidadãos são afastados da decisão dos assuntos da cidade... o que nos resta? A política nacional ao nível da choldra e uma Europa refém dos que mais contribuem...

Anónimo disse...

Boa a. castanho, já percebi que ou se é a favor de uma Federação ou estamos fora.

Que os cidadãos portugueses não devem ser sequer sondados relativamente a esta questão.

Ou somos uma federação ou saltamos fora...parece-me muito democrático e aliás a melhor forma de olhar para a UE.

Quem e quando é que se decidio que a UE iria ser uma Federação????

E se não for, porque temos que sair, não podemos fazer um opting out?

Que resultados, a nivel de politica de defesa é que uma Federação Eurpeia acarrataria para os Estados Membros?

Nada disto importa pelos vistos, porque ou aceitamos tudo ou não temos nada...

Ou estamos com a Federação ou convidam-nos a sair...a UE prescindir de um dos seus membros, independentemente do seu peso, é algo que julgo nunca vir a acontecer o risco é enorme para a própria UE.

Não existe ninguém que defenda unicamente os interesses da UE, todos defendem primeiro o seu Estado e depois a UE, apesar de já poder haver uma série de instituições que podem e devem impôr as suas normas aos Estados Membros...veja-se o que aconteceu aos Estados que não respeitaram o pacto de estabilidade...outros assuntos para outro momento.

Europa Federal ou não? será que os cidadãos podem ao menos discutir e falar sobre isso?

Anónimo disse...

Não tenhamos medo de desfazer mais um sonho, mesmo que ele seja muito bonito e prometa mil e uma maravilhas.

O sonho e a realidade, como regra, não são consolidáveis, acham mesmo que encontra-mos a execpção?

A história ensina-nos os aspectos negativos em lutar por utupias. Diz-nos que elas devem ser indicadoras de caminhos e não regras simples que facilmente se adaptam ás circuntancias do ser humano e das suas realidades.