13 de outubro de 2007

Novo pagamento de custas judiciais: uma incongruência até num Estado-mínimo

Quando pensamos em Estado Social, associamo-lo geralmente à prestação de três serviços-base: a Saúde, a Educação e a Segurança Social. Por que não pensamos na Justiça como um dos pilares do Estado-Providência? Porque esse já era um sector associado ao Estado Liberal, a partir do qual se construiu o modelo social. No fundo, porque o acesso ao direito é de tal forma importante numa sociedade democrática, que até os defensores do Estado-mínimo o entendem como um serviço a ser financiado pelos impostos e prestado pelo poder público.
A expressão Estado-mínimo advém precisamente do facto de se considerar que o Estado deve prestar apenas um mínimo de serviços (cobrando, para tal, um mínimo de impostos) e entregar todos os outros à iniciativa e capacidade da sociedade civil. Deste ponto de vista, ao Estado caberia, apenas, garantir os direitos negativos, os direitos pré-políticos (e que, de algum modo, existem contra o Estado): direito à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança.
Um dos grandes defensores do Estado-mínimo, Nozick – que mais do que um liberal, é um libertário –, afirma que o Estado se deve limitar às funções de protecção contra a força, o roubo, a fraude e o incumprimento dos contratos: é a ideia de “Estado-guarda-nocturno”. Ora, na prática, estas ideias implicam que o Estado sustente polícias, exércitos, tribunais e prisões. Nozick, que comparou os impostos sobre o rendimento a um roubo, sabia ser inevitável cobrar alguns impostos, pois era imprescindível manter um serviço de justiça de forma a manter os direitos básicos dos indivíduos.
Vem tudo isto a propósito de uma das medidas que o Conselho de Ministros aprovou esta semana relativamente ao descongestionamento judicial: a alteração do regime de custas judiciais.
Acho que todos concordamos que é urgente encontrar mecanismos que descongestionem os nossos tribunais. Só assim se conseguirá fazer justiça em tempo útil, o que, de algum modo, significa fazer justiça de facto (pois uma decisão judicial que demora anos a chegar nunca pode ser sentida como totalmente justa).
Porém, acho que o descongestionamento dos tribunais não pode ser obtido a qualquer preço. A celeridade judicial é um meio para atingir um fim, não é um fim em si mesmo. Quando se trata o descongestionamento como um fim, ofusca-se o objectivo real, que é, obviamente, fazer justiça. É o que está a acontecer…
A partir de agora, a parte que inviabilize a resolução de um litígio através de meios alternativos e pretenda recorrer aos tribunais será responsável pelo pagamento das custas do processo, mesmo que o tribunal lhe venha, no final, a dar razão. Por outras palavras, quem não queira pôr fim a um conflito através da celebração de um acordo realizado fora dos tribunais (supõe-se que por considerar que esse acordo não é justo), recorre ao tribunal e, no final, paga, mesmo que acabe por ganhar a acção. Paga, portanto, por ter querido justiça e depois de um tribunal lhe ter feito justiça.
Assim, percebe-se que a resolução aprovada, se não nega direitos, limita-os inevitavelmente. É fácil perceber que serão muitos os que, a partir daqui, enjeitarão a ideia de interpor acções nos tribunais. É, aliás, esse o objectivo do governo. No entanto, isso significa que esta medida, mais do que ser dissuasora, põe em causa um direito – o acesso aos tribunais – que é garante de todos os outros direitos dos indivíduos.
A dissuasão já existia com o pagamento das custas por parte de quem perdia a acção: fazia com que só quem estivesse muito certo de ganhar a causa em tribunal, a ele recorresse, pois, caso contrário, a todas as despesas do processo havia que somar as custas judiciais. Sabendo ir perder, ou tendo dúvidas sobre o desfecho, era já preferível aceitar um acordo antes de chegar à barra.
A partir de agora, dissuade-se também quem julga vir a ganhar a acção, ou seja, a partir de agora, aceitar-se-ão acordos injustos com o mero objectivo de evitar uma despesa. Está bem de ver que serão os mais pobres os primeiros a enveredar por esta escolha…
Se a igualdade de acesso à justiça já era inevitavelmente condicionada pelas desigualdades económicas, o que dizer do que se passará com este novo sistema de pagamentos? E se, por vezes, já existia a sensação de que o nosso sistema nem sempre protegia os direitos dos cidadãos, o que dizer do que se passará com a “obrigatoriedade” (para muitos, assim será…) de resolver os litígios desta forma?
Com esta medida, o governo contraria uma das traves-mestras da nossa sociedade. O que diria o insuspeito Nozick de tudo isto? Provavelmente, que a posse ilegítima estava facilitada… e o princípio da rectificação prejudicado… e que a aquisição (ou transferência) a justo título estavam postas em causa.

6 comentários:

psergio57 disse...

Pouco mais há a dizer. A maioria P'S' não deixa de surpreender. Para grandes males grandes remédios! Se com isso se atropelam os mais elementares direitos como o direito à justiça, tanto pior! Mais um exemplo de sensibilidade social e sentido de equidade... Parabéns pelo post.

Anónimo disse...

CONVOCAÇÃO

Queridos economistas, é com pesar que vemos que este Governo não houve as nossas centenas de raclamações feitas em jornais, blogs em que citamos abundantemente reputados pais, filhos e enteados das mais variadas correntes económicas, que embora a maior parte sejam apenas teóricas, deviam a nosso ver ter lugar no OE.
Mais, juntamo-nos em bloco, tendo como referencia o eterno Medina Carreira, cujo Prémio Nobel tarda em chegar, tendo em conta as suas inquietudes e visionarias teorias do caos e queda da civilização Lusa.
Habituados como estamos a séculos de abundância, e a altos padrões civilizacionais de contas transparentes, sistemas educativos perfeitos e progresso baseado no nosso alto grau de produção tecnologica e rentabilidade aliado a um sistema de justiça rapido e eficaz que pede meças aos melhores do mundo (sim, como a nossa policia judiciaria), não podemos pactuar com a actual desgraça em que se encontram as contas do País.
Apelamos assim a uma concentração/vigilia
em frente à AR aquando do debate do Orçamento.

Helena Henriques disse...

Bom post, denegar a justiça não me parece o caminho para acabar com a morozidade (outra forma de não realizar a justiça).
O anónimo da convocatória deve ser brincalhão.

Anónimo disse...

Exelente Post;
Se há coisa que está mesmo mal, mesmo com os acordos entre PS e PSD é a justiça, o terceiro poder, que deveria ser autónomo e cada vez mais demonstra grande promiscuidade com o poder político.

As custas de tribunal, implica que, em determinadas circunstancias, só pessoas endinheiradas podem verdadeiramente recorrer à justiça.

Mesmo a fórmula anterior é uma fraude que favorece as seguradoras e outros, se não vejamos:

No caso de acidente, em que a vitima tem direito a uma indemenização, vai primeiro tentar acordar um valor com a seguradora, que claro, defendendo os seus interesses procura dar o minimo possivel.

Desta forma, o requerente TEM que recorrer ao tribunal e solicitar uma indemenização.

Ora o valor da indemenização tem que ser muito bem ponderado pelo requerente, pois caso o tribunal decida que o valor da indemenização é inferior ao solicitado, o inidividuo mesmo recebendo mais do que a seguradora lhe oferceu, fica obrigado a pagar as custas do tribunal porque perdeu a causa...

As seguradoras só tem que ficar muito sossegadinhas à espera que o individuo e o advogado façam estimativas e estipulem um valor a pedir que depois vai ser avaliado pelo o juiz.

Justiça...qual justiça.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Isto é que é um tema importante!


Por que será que ninguém pega nele na Comunicação Social?


Não conhecendo a fundo esta questão, a maneira como ela é colocada neste Artigo, se for verídico, deixa-me absolutamente revoltado!


Simplesmente não é possível haver Justiça assim! E, quando não há Justiça, acontecem coisas MUITO desagradáveis...

Anónimo disse...

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