27 de dezembro de 2007

As incompatibilidades à portuguesa

Um jornalista da área económica não pode, por exemplo, jogar na bolsa, porque tem acesso a informações privilegiadas.
Um presidente de um banco pode passar a ser, de um dia para o outro, presidente do banco concorrente, que ninguém levanta problemas éticos.

Coitados dos clientes da CGD...

26 de dezembro de 2007

A educação dos sexos

"O peso de mulheres licenciadas na sociedade portuguesa cresceu mais de 60 vezes nos últimos 47 anos. Se em 1960, o total de diplomadas não ia além dos dez mil, no final do ano lectivo em curso esse número deverá rondar as 600 mil. A evolução é muito significativa, mas falta ainda, explicam especialistas em sociologia da educação, conquistar o mercado de trabalho e chegar a lugares de topo." (DN)

Pois é, fartamo-nos de trabalhar!

Hoje, o número de mulheres que saem das nossas universidades já se aproxima do dobro do número de homens. Quase todos os cursos, à excepção de algumas Engenharias (e já não são todas), apresentam mais alunas do que alunos.
A somar a isso, existe um outro número que julgo não estar contabilizado, mas que qualquer pessoa que tenha passado pela faculdade sabe ser verdadeiro: elas não demoram tanto tempo nos bancos do ensino superior quanto os seus colegas homens. O curso é para fazer em 4 anos? Geralmente, elas fazem-no. Eles, depende.
Outros números: os do ensino secundário! Não apresentando uma diferença tão acentuada quanto o ensino superior, a verdade é que já nesse nível de ensino se vê a diferença entre sexos. A minha turma do 12º ano (ano de 1999/2000), por exemplo, apresentava 3 rapazes para 20 e tal raparigas... Havia, lá no liceu, turmas com menor desproporção, mas nenhuma presentava a relação inversa!

Razão para que tudo isto aconteça? A educação diferente. Apesar da diminuição dos níveis de machismo (que já nos vai permitindo ir estudando e chegar à faculdade...), a verdade é que, desde cedo, se exige mais às mulheres do que aos homens. Elas são educadas para serem responsáveis e trabalhadoras; eles têm direito a ser mais doidivanas e a preguiça á mais tolerada.
Esta diferença no olhar reflecte-se até nas pequenas coisas da vida: um filho (homem) adolescente, que chegue uma noite a casa bebêdo, é normal; uma filha que faça o mesmo precisa de vigilância, enche todos de preocupação, "ai, ai, ai, o que é que ela andará a fazer"... Ainda mais pequeninos, um rapaz que bata noutro, está a fazer algo normal (mesmo que lhe dêem um raspanete, ninguém achará estranho); uma rapariga que ande à pancada, precisa, no mínimo, de ir ao psicólogo... Já nem vou falar do número de namorados/as...
Aquilo que acontece é que as mulheres continuam a ser educadas, desde cedo, para terem a cabeça no lugar, para cumprirem os deveres com responsabilidade, com brio. Os deveres de hoje são outros? Com certeza, mas é suposto elas cumprirem-nos como outrora cumpriam os outros. Assim, as mulheres (em geral) crescem com o objectivos mais elevados que os dos homens (em geral), não porque sejam mais ambiciosas, não porque sejam mais inteligentes, mas porque sabem que é isso que delas se espera, tendo sido para isso que foram ensinadas a ter responsabilidade, capacidade de trabalho, etc., etc. Elas têm que ser perfeitas, eles têm que ser normais.

E depois, como é que a sociedade nos agradece? Com maiores taxas de desemprego feminino. Com menores percentagens de mulheres nos lugares de topo. Com sorrisos paternalistas quando falamos sobre política, sobre economia, sobre futebol...
Obrigada.

Curiosidades

No dia de Natal, a blogosfera de direita trabalhou mais do que a blgosfera de esquerda.
Sem comentários (da minha parte).

22 de dezembro de 2007

A hipotética remodelação de Ano Novo

Já que toda a gente discute a hipotética remodelação governamental, eu também vou dar a minha achega. Vou restringir-me a dois ministros, porque há que ser realista e assumir que se (SE) Sócrates fizer uma remodelação, nunca irá tão longe como se desejaria...
Proponho, então, a substituição do ministro da Justiça e da ministra da Cultura. Por um único motivo: é que já dava jeito ter ministros nestas pastas. Por ministros entenda-se alguém que saiba o que lá anda a fazer... Alguém que tenha uma vaga ideia, pelo menos... Alberto Costa e Isabel Pires de Lima são, claramente, inoperantes nas suas pastas... Nem Mário Lino, nem Manuel Pinho, nem nenhum outro é tão inexistente (a palavra é esta, parece-me)...

As vantagens do Porto e de Lisboa

Esta saga do "gang da Ribeira" veio pôr a nu uma das grandes vantagens do Porto relativamente a Lisboa: ainda há jovens a viver nas zonas históricas da Invicta, ao contrário do que acontece na capital. Afinal, parece que há malta nova a nascer e a viver na Ribeira, coisa que já não se encontra na Graça, em Alfama, no Castelo, etc...
Vai-se a ver e os autarcas alfacinhas é que tinham razão, tendo sido mesmo visionários! As políticas de habitação seguidas desde há décadas (e que têm levado à desertificação do centro da capital) eram, afinal, preventivas! Lisboa não tem, agora, estes problemas de gangs, porque não tem jovens para os protagonizar! Afinal, Lisboa é que é vantajosa!

20 de dezembro de 2007

E agora?!

"Jerónimo de Sousa recusa divulgar ficheiros do PCP e considera que o processo de verificação do número de filiados do seu partido tem por base uma "visão de ingerência" da parte do Tribunal Constitucional."
"... o líder do PCP, foi claro: "Não iremos entregar nenhum desses nomes no Tribunal Constitucional". Tudo porque o secretário-geral defende, acima de tudo, o primado do "direito à privacidade dos cidadãos"." (DN)

Ups... E agora, como se vai "descalçar a bota"?! Obriga-se o PCP a revelar os nomes dos seus filiados? Não se obriga, mas obrigam-se os outros partidos a fazê-lo? Não se obriga nenhum, porque se entende que há, de facto, um direito dos cidadãos à privacidade que importa respeitar e porque se entende que há igualdade entre os partidos? Então, como se faz a fiscalização, isto é, como se cumpre a lei?
Este país é fantástico! Há cada imbróglio jurídico mais estranho... Espero que este acabe com esta lei miserável deitada no caixote do lixo...

18 de dezembro de 2007

A vítima que telefone!

"...proposta, apresentada esta semana no Parlamento pelo secretário de Estado da Presidência, Jorge Lacão, para, nos casos de violência doméstica, em vez de aplicar pulseiras electrónicas nos agressores identificados (de forma a evitar a sua aproximação da vítima), distribuir pelas vítimas um telemóvel com ligação directa a uma centro de atendimento especial." (DN)

Pois claro! As mulheres já anteriormente agredidas é que têm que avisar se correrem novos riscos, não são os homens agressores que têm de ser controlados para não repetirem o crime! Eles ficam à vontade para voltarem a tentar agredir, elas que telefonem se estiverem novamente em perigo! Eles são livres, a elas cabe-lhes a responsabilidade do não agravamento da situação!
Que palhaçada...
Tratar desta maneira leviana um problema destes, deixa-me envergonhada... Como é que um governo de um país europeu, democrático e desenvolvido trata desta forma deturpada vítimas e criminosos?

16 de dezembro de 2007

And the winner is...

Chegou ao fim a sondagem mais participada de toda a existência do Margem Esquerda! :)

Manuel Pinho e o seu fantástico incentivo aos chineses para que investissem em Portugal, que nós cá tínhamos salários baixinhos, foi o grande vencedor do melhor momento trágico-cómico do ano, recolhendo 40% dos votos.

Em segundo lugar ficou Santana Lopes, que continua a existir e - melhor! - dá agora barraca como líder parlamentar. Talvez no próximo ano volte ao primeiro lugar a que nos foi habituando. Por enquanto, recolheu 27% dos votos dos leitores.

Mário "jamais" Lino protagonizou o terceiro melhor momento trágico-cómico 2007, ao referir-se à margem sul como um deserto: obteve 17% das preferências.

O nosso primeiro e o seu "Porreiro, pá!" quedaram-se pelo último lugar, com apenas 15% dos votos. Como já tivémos Santana, sabemos que um primeiro-ministro de Portugal sabe fazer melhor que isto! Será em 2008?

14 de dezembro de 2007

Os pequeníssimos partidos

Uma lei aprovada há três anos levantou agora celeuma por o Tribunal Constitucional ter vindo fazer o seu papel, pedindo aos partidos que provem ter mais de 5000 militantes, caso contrário... serão extintos!
Gostava de saber quem foi o cérebro iluminado que teceu esta maravilha democrática! Pela data de aprovação, deve ter sido durante os governos do PSD-PP, o que não me espanta...
Quem quer que tenha tido a ideia, desconhece em grande parte a tradição portuguesa. E desconhece também que, na nossa História, sempre que se enveredou por este caminho, a coisa correu mal.
Em Portugal, os partidos com menos de 5000 militantes não têm grande poder (mas têm algum: a Nova Democracia tem um deputado regional na Madeira, por exemplo). Mas isso não significa que não tenham espaço (e o espaço político não é apenas espaço mediático).
Estes partidos, apesar da reduzida dimensão, não deixam de congregar ideias, valores, visões do mundo. Não é porque a maioria não se identifica com eles, que isso significa que eles sejam dispensáveis. A tirania da maioria é perigosa e a qualidade da democracia revela-se cada vez mais pela forma como lida e respeita as suas minorias.
Isto é válido em qualquer lugar do mundo, mas é-o tanto mais em Portugal, cuja democracia de 33 anos, apesar de se dizer madura, ainda é nova em muitos aspectos. Tanto mais que a nossa tradição democrática até tem sido muito favorável aos pequenos partidos, que nos têm fornecido muitos dos principais actores políticos. Exemplos? Jorge Sampaio e Ferro Rodrigues formaram-se no MES, partido que não tinha 5000 inscritos certamente; Gonçalo Ribeiro Telles vem do PPM; muitos - tantos! - iniciaram a vida política no MRPP, numa altura em que não chegava aos cinco milhares de militantes. Se esta lei, que agora se aplica, estivesse em vigor no pós-25 de Abril, o que é que o país teria perdido?
Por outro lado, sempre que, na nossa História, se tentou enveredar por este tipo de caminhos, a "brincadeira" acabou mal... Veja-se o final do Rotativismo monárquico, que, com tentativas de restrição semelhantes, devido ao receio do voto dos operários, terminou na ditadura de João Franco, no regicídio, na implantação da República... Quando não se integram as tendências no sistema, elas revoltam-se contra o próprio sistema. É normal.
Por fim, outra nota: os partidos são angariadores de nomes ou são um bocadinho mais que isso? Aposto que, em 3 meses, muitos destes micro-partidos conseguirão filiar os membros que lhes faltam, atingindo os 5000 que a lei determina. Passam, então, a representar mais o povo português por isso? Cheira-me que não... mas cumprem a lei, pois claro.
Esta febre legislativa que grassa em Portugal origina estas incongruêcias. Se, pelo menos, quem legisla conhecesse um bocadinho melhor o país em que vive, talvez muitas destas aberrações fossem evitadas.

12 de dezembro de 2007

Os benefícios do Tratado para Portugal

Metro grátis, Carris grátis, museus grátis... um dia inteirinho! Toca a aproveitar que a próxima vez deve ser só no séc. XXII!

Faço minhas as palavras do Valéry

Para quem diz que não faz sentido referendar o Tratado que será amanhã assinado, uma vez que já não se trata de um Tratado Constitucional, mas de um Tratado que reforma os anteriores (nomeadamente o de Nice), aqui deixo as palavras de Giscard d'Estaign (quase) a concluir um seu artigo publicado no Público on-line:

"É fácil constatar que o texto dos artigos do tratado constitucional se encontra praticamente intacto, mas que se encontra disperso sob a forma de emendas dos tratados anteriores – que foram, eles próprios, reorganizados. É evidente que a opção não vai no sentido da simplificação. Basta consultar o índice dos três tratados para avaliar a dimensão do fenómeno!

Qual foi o objectivo desta subtil manobra? Antes de mais, fugir à obrigação do recurso ao referendo graças à dispersão dos artigos e à renúncia ao vocabulário constitucional.

Para as instituições de Bruxelas, foi uma forma hábil de retomar as rédeas, depois da ingerência dos parlamentares e dos políticos, representada pelos trabalhos da Convenção Europeia.

Desta forma, regressa-se à linguagem que Bruxelas domina e aos procedimentos que eles privilegiam, afastando-se mais um pouco dos cidadãos."

10 de dezembro de 2007

A Cimeira UE-África segundo a nossa TV

Foram estas as importantes informações que os nossos canais de televisão se dignaram a transmitir-nos desde 6ª à noite:

- Kadhafi acampou no forte de S. Julião, na sua tenda sempre verde e guardado pelas seis mulheres da sua guarda pessoal;

- o trânsito esteve cortado em bué de sítios, o que complicou ainda mais a vida dos lisboetas, na fúria consumista própria da época natalícia;

- o brinde do jantar oferecido por Cavaco, no Palácio da Ajuda, foi feito com Madeira seco;

- não há nenhum ditador tão mau como Mugabe em África;

- o Darfur foi muito discutido nas conversações (mas não se sabe mais nada sobre isto);

- Merkel deu na cabeça de Mugabe, o tal que é incomparavelmente pior do que todos os outros (mas também não temos muito mais a adiantar sobre o assunto...);

- a relação da UE com África mudou (assim mesmo, de um dia para o outro, sem que seja preciso esperar para ver) e, por isso, a Cimeira é "histórica";

- não se firmaram os Acordos de Parceria (que o público só percebeu estarem em cima da mesa no domingo à hora de almoço), mas a Cimeira foi um "êxito";

- o Presidente do Senegal abandonou a Cimeira, por não concordar com os ditos acordos, mas não vale a pena analisar o que o gajo pensa, porque isso é dar espaço a quem está a estragar a festa.

É cada vez melhor o jornalismo que se faz em Portugal. Se eu estivesse numa acessoria de imprensa do governo já nem me dava ao trabalho de fazer spin... Qualquer coisa que saia das bocas oficiais já é verdade absoluta; qualquer informação bacoca é óptima para notícia de abertura; qualquer tema digno de análise é tratado pela rama.

PS - Nenhum jornalista tratou um outro importante tema: Kadhafi fumou uma ganza no sábado de manhã? É que parecia mesmo... Houve uma altura em que tirou os óculos escuros e... não sei não...

9 de dezembro de 2007

O nojo a que esta sociedade chegou

"O armazém onde a Comunidade Vida e Paz, associação de apoio aos sem abrigo de Lisboa, tinha guardado alimentos e bens a distribuir no jantar de Natal do próximo fim-de-semana foi assaltado na última noite" (Público)

Roubar os sem-abrigo (porque é disso que se trata)... O fim da linha...

I'm back

Estou de volta. Com computador novo e a carteira levezinha...

28 de novembro de 2007

Venezuela - mais do mesmo ou uma nova oportunidade?

Texto de Helena Henriques




A Ana Rita e o Filipe desafiaram-me a escrever sobre Hugo Chávez e a Venezuela.


Estou renitente, é que no próximo domingo terá lugar a ruptura constitucional planeada pelo Presidente Chávez e é doloroso ver os vários apelos (de estrangeiros e de corajosos venezuelanos, porque não duvido que o contexto que vive a Venezuela torna eventualmente perigoso discordar do poder) aos venezuelanos para que acorram às urnas e votem em consciência - avaliando o que realmente está em causa e não a actuação do governo venezuelano, que é como quem diz, podem ser a favor de Hugo Chávez e discordar desta proposta colocada a referendo e que em bom rigor deveria ser discutida e votada por uma assembleia constituinte eleita democraticamente para o efeito - e não referendada no meio de simpáticas jornadas de seis horas de trabalho cuja viabilidade sequer se conhece.


É aflitivo ver que um país endossa a liberdade e o pluralismo desta maneira, que um país ignorou durante anos as mais prementes realidades sociais - sim porque alegremente se chegou ao ponto de ter 37,9% da sua população abaixo dos níveis de pobreza (números disponíveis no CIA world factbook, há quem fale mesmo de 50%) - mas há ricos, muito ricos e curiosamente, em Caracas apraz-lhes viver nas belas colinas, em condomínios fechados e guardados por forças para-militarizadas, até porque na colina vizinha estão os "cerros", os bairros de lata dos excluídos, a franja da população que apoia Chávez porque, até hoje, mais nenhum governante conseguiu chegar até eles, fazê-los sentir-se cidadãos.


Mais doloroso ainda é ver como a classe média e média baixa se sentem ameaçadas por tudo isto - o terror que sentem de ver o seu país transformado numa nova Cuba, uma Cuba de miséria e de pensamento único. Dói ver a sua incapacidade de entender que anos a ignorar e excluir outros cidadãos só podiam criar o conflito. Dói não vislumbrar a pacificação social, temer uma guerra civil.


E sobretudo custa ver a América Latina assim, aquele curioso novo mundo em que os imigrantes foram substituir a mão de obra escrava, e que talvez por isso, gera sociedades multirraciais em que a cor importa muito menos, em que as várias comunidades imigrantes se diluem numa sociedade alegre e quente que pouco tem a ver com os ascendentes europeus ou asiáticos e que podia muito bem ser a esperança de um novo modelo que substitua o esclerosado conservadorismo europeu - que apesar dos direitos humanos, ou da fórmula americana dos civil rights, saindo do formalismo dos direitos (e que já é alguma coisa, sem dúvida) tem muita dificuldade em ver o outro como seu igual, como alguém que convida para jantar em sua casa ou para partilhar umas férias, tem dificuldade em não achar que os seus séculos de história e tradição não lhe dão uma superioridade civilizacional sobre os outros - quando devia encarar a possibilidade de ser esse mesmo o seu ponto fraco, ou de olhar para si mesma e perceber que precisa desesperadamente de gente, sim, essa que pode vir de África, América e Ásia e sem a qual cairá de velha. De alguma forma é uma certa demonstração disto mesmo o que incomoda na gaffe do rei de Espanha na Cimeira Ibero-Americana.


Mas voltando ao assunto, uma coisa parece certa, ninguém fez tanto pelos excluídos venezuelanos como Chávez, e isso é alguma coisa de importante, pode ser um princípio para finalmente tirar desta encruzilhada um país riquíssimo em gente e recursos naturais, importante será não criar os novos excluídos ou entrar em aventuras irresponsáveis, neste ponto talvez Lula tenha um papel decisivo e... esqueçamos a Europa.




Texto de Helena Henriques

27 de novembro de 2007

Convite II

Depois de a primeira vez, com o psergio57, ter corrido tão bem, o Margem Esquerda repetiu, este mês, o convite a um comentador habitual para escrever um post.


A blogosfera discute diariamente a Venezuela e Hugo Chavez. sem aproveitar o fantástico recurso que é a opinião de alguém que lá nasceu e viveu - e, como tal, conhece aquela realidade a fundo.

Ora, nós quisémos aproveitar esse recurso e trazer aqui alguém que, mais do que analisar, perceba o que se passa no país.


O texto acima é da Helena Henriques!

Sondagem!

Este blog gosta de comemorações! Quando nos falta melhor motivo, comemoramos o 2º mês de existência. Desta vez, com o lançamento da nossa primeira sondagem!
Como nos aproximamos do final do ano, há que fazer um balanço da actividade política nacional. O Margem Esquerda escolheu levar a votos os momentos em que os nossos políticos nos fizeram, simultaneamente, rir às garagalhadas e gelar de horror. Os momentos trágico-cómicos da política portuguesa no ano de 2007!

Toca a votar!

PS - A lista de opções poderá ser aumentada se os actores da novela política se esforçarem muito nos próximos dias...

25 de novembro de 2007

A anedota do fim-de-semana

"O presidente da República de Timor-Leste, José Ramos Horta, vai propor hoje a nomeação do José Manuel Durão Barroso para Prémio Nobel da Paz..." (Público)

É para rir, não é?
É uma daquelas piadas inteligentes que poucos percebem, com certeza.
Mas é gira!

22 de novembro de 2007

O Orgulho de não beber Tagus

Eu não gosto da cerveja Tagus. Por isso, no que a mim me diz respeito, a marca não perde uma potencial cliente com a mais recente e vergonhosa campanha publicitária - a campanha que parte do slogan "Orgulho Hetero".
Mas, de qualquer forma, fico espantada por ainda haver quem, no maravilhoso mundo do marketing, pense que estas campanhas são positivas, isto é, que conquistam mais clientes do que aqueles que afastam... Porque esta campanha afasta inegavelmente uma faixa larga de mercado: os gays, obviamente, e todos os que odeiam boçalidades (e, felizmente, já vamos sendo muitos).
Eu, por mim, fico-me pela imperial da Super Bock e pela mini da Sagres. Estas marcas, pelo menos até ver, ainda não deram provas públicas de serem preconceituosas.

PS - Voltando ao argumento que já usei aqui, o que se diria se, em vez de "Orgulho Hetero", a campanha usasse o slogan "Orgulho Branco"?

21 de novembro de 2007

O Liberalismo e a Esquerda

No Esquerda Republicana, o Filipe de Castro distingue entre o liberalismo americano e o liberalismo europeu.
Diz-nos que os liberais do lado de cá do Atlântico se limitam a defender o liberalismo económico, não se preocupando com o verdadeiro liberalismo político. Daí que se aproximem muito mais dos neocons do que dos liberais do lado de lá do Oceano.
Eu concordo. Há muito tempo que o auto-designado liberalismo europeu deixou de o ser verdadeiramente! Primeiro, porque se ateve na defesa do liberalismo económico, depois, porque se aproximou a passos largos dos valores conservadores.
Hoje, no lugar da tradição liberal histórica, encontramos, isso sim, o neo-liberalismo, que mais não é do que a junção de uma defesa do mercado livre levada às últimas consequências com uma defesa dos princípios morais mais tradicionais. Thatcher e Reagan foram os expoentes máximos desta corrente neo-liberal, claro.
No fundo, isto significa que, na Europa, aquilo a que comummente chamamos liberalismo perdeu o seu núcleo fundamental, que era, logicamente, o das liberdades civis e políticas.
É por esta razão que os europeus associam o liberalismo à direita, enquanto que os americanos lhe atribuem a conotação à esquerda: porque, efectivamente, o liberalismo europeu se desvirtuou e, assim, recuou para a direita do espectro político.
Ser-se liberal, na Europa dos nossos dias, tem muito mais de burkeano do que de lockeano: é-se liberal na economia, mas conservador nos costumes.
É, talvez, por esta razão que, sempre que alguém de esquerda se diz liberal, há alguém que torce o nariz ou olha com ar surpreendido. Porque se pensa sempre no lado económico do liberalismo e não no seu lado mais importante, que está para lá do laissez faire, laissez passer e que é o do liberalismo aplicado à vida política e à vida civil dos cidadãos.
Mas a esquerda é, desde há muito, herdeira do liberalismo. Bernstein, “pai” da social-democracia, dizia, no início do séc. XX, que “não existe hoje um pensamento realmente liberal que não pertença também aos elementos do ideário socialista” (pág. 117, Socialismo Evolucionário).
E recomendava “alguma moderação ao declarar guerra contra o liberalismo”, porque, se era certo que “os partidos que tomaram o nome de liberais eram ou acabaram por converter-se em simples guardiães do capitalismo”, também era certo que “as qualidades espirituais” do liberalismo passaram para o socialismo democrático.
Para Bernstein, a social-democracia não queria fundar uma sociedade proletária, mas sim uma sociedade onde o proletário usufruísse dos direitos de cidadania, tal como definidos pelo movimento liberal. Hoje, as faixas da população a necessitarem de um alargamento de direitos serão outras, que não o proletariado; serão mesmo outros os direitos a necessitarem de defesa, porquanto os da época já se tornaram (mais consensuais). Mas o princípio mantém-se. E continua a pertencer à esquerda.

A corrente da pág. 161

Fui apanhada pela "carta em cadeia" da blogosfera!
O Igor, do Reino dos Fins, lançou-me o desafio:

1. Pegue no livro mais próximo, com mais de 161 páginas – implica aleatoriedade, não tente escolher o livro;
2. Abra o livro na página 161;
3. Na referida página procurar a 5.ª frase completa;
4. Transcreva na íntegra para o seu blogue a frase encontrada;
5. Aumentar, de forma exponencial, a improdutividade, fazendo passar o desafio a mais 5 bloggers à escolha.

Tinha 2 livros perto de mim: em era "trabalho", o outro era "conhaque". Uma vez que o último - Castelos de Cartão, da Almudena Grandes - tem apenas 158 páginas, tive de optar pelo livro "de trabalho": Cem Anos de Socialismo, vol. I, de Donald Sassoon, cuja 5ª frase da pág. 161 diz:
"A forma de organização que escolheram [os comunistas italianos] - a de um partido de massas apoiado por uma rede de associações colaterais - permitiu-lhes estabelecerem-se como uma referência constante do panorama político."

E as minhas cinco "vítimas" são:
- o Filipe Gomes, meu companheiro aqui no Margem Esquerda;
- a Helena Henriques, do Opaco;
- o Miguel Morgado, do Cachimbo de Magritte;
- o Helder, do Insurgente;
- o Daniel Oliveira, do Arrastão (que, estranhamente, ainda não foi atingido por esta "corrente").

20 de novembro de 2007

O Circo

"Os conselhos executivos de várias escolas estão a pressionar os professores do 2º e 3º ciclos (do sexto ao nono ano) para evitarem ao máximo dar notas negativas aos alunos já no primeiro período lectivo."
"Muitas escolas vão ser visitadas por inspectores até final de Dezembro, no âmbito do seu processo de avaliação e, como um dos critérios que terá maior peso para a “nota” é o índice de aproveitamento escolar dos alunos..." (Público)

Eis mais um capítulo da palhaçada em que se transformou o sistema educativo deste país...
Para o Ministério da Educação, as estatísticas e o lugar que nelas ocupamos tornaram-se um bem supremo, um valor absoluto, o fim último que merece todos os meios.
Este Ministério é de um provincianismo atroz... Pena é que sejamos todos, mesmo aqueles que já não usufruímos dos seus serviços, quem vai pagar toda esta irresponsabilidade dentro de apenas alguns anos...

15 de novembro de 2007

As estradas do Estado...

As vias de comunicação são um dos mais importantes elementos de coesão de qualquer território nacional e de sedimentação do poder do Estado. Os Romanos perceberam-no bem: os territórios conquistados eram automaticamente "inundados" de vias, que ligavam o mais remoto canto do Império à capital. Todos os caminhos iam dar a Roma.
Serve isto para dizer que este governo, não estando a privatizar as nossas estradas - porque a empresa que as gere se mantém com capitais públicos - está a abrir caminho a que, de futuro, se deite fora um património histórico que continua, milénios passados, a ter a sua razão de ser.
Mas com a passagem das Estradas de Portugal de E.P.E. a S.A. - mudança que faz com que a empresa possa, a partir de agora, ser privatizada -, o governo também abre caminho a que aquilo que tantos milhões custou aos cofres do Estado - e, como tal, aos bolsos de todos nós - e que tem servido de base ao nosso modelo de desenvolvimento, possa vir a ser entregue apenas a alguns.
Quer se tenha concordado ou não, a verdade é que Portugal condicionou o seu desenvolvimento a estas infra-estruturas (a "política do betão", lembram-se?). O modelo de desenvolvimento agora aponta para a inovação. Muito bem. Mas isso quer dizer que se pode alienar aquilo que foi quase desígnio nacional? Por muito que o anterior modelo estivesse errado (as comparações com a Irlanda são inevitáveis, já sei...), foi o modelo seguido pelo Estado português, com o inevitável esforço financeiro de todos nós. Abra-se agora a porta a fazer tábua rasa de tudo isto...
Mesmo que ESTE governo não esteja a pensar levar a cabo uma operação de privatização das Estradas de Portugal (o que eu até acredito), tem de ter a coragem de assumir que, a partir de agora, tal pode ser feito. E que, daí, advêm consequências. As que referi e outras, mais comezinhas, mas que afectarão provavelmente muito mais a nossa vida quotidiana...
Proceder a uma alteração deste tipo terá certamente vantagens ao nível da gestão (senão, provavelmente não se faria), mas é claramente um passo num sentido errado.

Partidos desideologizados, pragmáticos, mercantilizados

Há uns dias, o Filipe lançou-me um repto: desenvolver o tema das mudanças ao nível partidário causadas pelas mudanças ao nível das identidades sociais. Vamos, então, a isso!

Na transição das sociedades industriais para as sociedades pós-industriais (como a nossa), houve, de facto, uma alteração na construção das identidades sociais dos indivíduos.
Se, nas primeiras – sociedades de produção por excelência –, as identidades sociais mais não eram do que identidades de pertença, isto é, identidades dadas pelos grupos a que se pertencia, nas segundas – que são já sociedades de consumo –, as identidades são formadas por referência, nomeadamente através de referências consumistas (daí a importância das marcas e da publicidade, como referia o Filipe).
Construirmos a nossa identidade por pertença significava, assim, que cada um se definia pela classe a que pertencia, dado que o grande conflito social era – Marx acertou! – o conflito de classes.
Isto acarretava, como consequência prática, o facto de haver uma enorme correspondência entre clivagens sociais e clivagens políticas. Nas sociedades industriais, quase se podia saber em quem alguém votava, sabendo apenas em que classe social se inseria. Neste sentido, Gramsci dizia mesmo que os partidos eram os nomes políticos das classes sociais e Seymour Lipset falava das eleições como luta de classes democrática.
Este modelo era verdadeiro: os partidos da época organizavam-se de facto em função das clivagens sociais, fazendo, cada um deles, corresponder um modelo ideológico a cada sector da sociedade.
Os partidos conservadores e de direita baseavam-se sobretudo nas classes superiores, os partidos progressistas e de esquerda baseavam-se nas classes inferiores, os partidos centristas baseavam-se nas classes médias; havia uma sobreposição da religião com a direita e da secularização com a esquerda; mulheres, idosos e populações rurais tendiam a ser mais conservadores, enquanto que homens, jovens e populações urbanas tinham mais espaço entre os progressistas [Lipset, The Political Man]. A pertença ao grupo repercutia-se efectivamente no comportamento político.

Actualmente, porém, isto já não acontece de forma tão pura e perfeita: o conflito social pulverizou-se em múltiplos conflitos, tornando-se, por isso, menos identificável, o que quer dizer que a determinação social do voto diminui.
Hoje, já não nos definimos tanto pela classe a que pertencemos, em grande parte devido ao facto da mobilidade social (e cultural) ser muito superior à das sociedades industriais, mas também porque os meios de comunicação assumem um papel incomensurável na formação das identidades, logo, também na formação do sentido do voto. Voto que se torna, assim, muito mais volátil.
Perante esta quebra das influências sociais e consequente aumento da flexibilidade eleitoral, os partidos mantiveram-se onde estavam? Claro que não! Passaram antes a agregar indivíduos de várias classes, tornaram-se mistos e heterogéneos.
Desde a Segunda Guerra Mundial que os partidos de integração e de representação vão dando lugar aos catch all parties, partidos onde vigora o imediatismo pré-eleitoral, partidos mais de eleitores do que de militantes, partidos sem classe gardée, isto é, partidos que não têm um sector do eleitorado guardado para si, precisamente porque a fidelidade partidária diminuiu exponencialmente.

É isto, então, o que temos hoje: partidos onde a ideologia perdeu fortemente terreno, partidos pragmáticos e sem grandes horizontes históricos, partidos mercantilizados, que se assumem, cada vez mais, como empresas que oferecem produtos aos seus consumidores.

13 de novembro de 2007

Topos de gama legais

"Ministério da Justiça garantiu esta quarta-feira que a aquisição de cinco viaturas topo de gama ocorreu «no estrito cumprimento do enquadramento legal». " (PortugalDiário)

Parece-me que a questão não era tanto saber se a operação era ou não legal, mas se era ou não moral... É que em tempos de crise, com pedidos de sacríficios contínuos, com cortes orçamentais no dito ministério, gastar quase 200 mil euros em cinco carros, quando, provavelmente, quem os vai usar (altos cargos do ministério) tinha os antigos à sua disposição...

PS - Um destes topos de gama "foi atribuído ao presidente do IGFIEJ, João Manuel Pisco de Castro", o Instituto de Gestão Financeira encarregue de (NÃO) pagar as oficiosas aos advogados.

12 de novembro de 2007

Aznar é fascista? Não

Já calculava que tivesse de vir a explicar por que razão disse que gostei que Chavez tivesse chamado "fascista" a Aznar.
O Helder, do Insurgente, pergunta-me claramente por que o fiz, explicando-me que não se pode aplicar tal epíteto ao ex-primeiro-ministro espanhol, dado que o fascismo surgiu da "família" socialista, que, claramente, não é a de Aznar.
Até aqui de acordo. Aznar é fascista? Não! Sobre isso não tenho a mais pequena dúvida!
Mas é, então, incoerente ter gostado de o ver ser assim chamado - tanto mais que não nutro qualquer espécie de simpatia por Chavez (a quem chamo, no mesmo post, "projecto de ditador", o que Helder parece esquecer...)? Também julgo que não.
Aznar teve atitudes autoritárias inacreditáveis ao longo dos seus mandatos. Atitudes que tiveram o apogeu na sua despedida de primeiro-ministro. Alguém se lembra da censura (e aqui uso o conceito de censura em todo o seu "esplendor") de que foi alvo a comunicação social espanhola no pós-atentado de Atocha? Nesses dias, muitos espanhóis tiveram que recorrer exclusivamente a canais estrangeiros para ouvir a versão verdadeira sobre a autoria do atentado, porque os seus órgãos de comunicação apenas passavam a versão oficial: a de que tinha sido levado a cabo pela ETA. Alguém se recorda da razão? Porque havia eleições legislativas dentro de dias e Aznar sabia que o seu partido as podia perder se se soubesse ser um atentado fundamentalista islâmico...
Se não fosse o facto de vivermos na era da globalização - e, como tal, a informação circular de forma incontrolável pelos poderes governamentais -, alguém distinguiria esta atitude da velhinha censura das ditaduras europeias do séc. XX (fascistas, socialistas, conservadoras)? Não!
Aznar não é fascista, mas teve, ao longo do seu governo, comportamentos autoritários (de que o final é só exemplo mais explícito). E se é verdade que o autoritarismo não é exclusivo do fascismo (nem o define, por si só), também é verdade que foi em regimes deste tipo, bem como em regimes comunistas, que o autoritarismo foi mais longe.
Chamar fascista a Aznar é exagerado, sim, mas é impossível, a quem detesta tiques autoritários por parte dos governantes, não sentir (e a palavra é mesmo "sentir") que o epíteto tem alguma pertinência.

11 de novembro de 2007

Margem Esquerda na rádio

Para quem não ouviu, mas gostava de ouvir o programa do Pedro Rolo Duarte de hoje, na Antena 1, em que participaram os autores deste blog, basta ir aqui (link também na barra do lado esquerdo).

Depois, é só seleccionar, de entre a lista de programas (ordenada por ordem alfabética), "Pedro Rolo Duarte" - "programas disponíveis", para aceder ao arquivo dos útimos seis programas do nosso entrevistador.
O programa de hoje, em que participámos, deve ficar on-line ainda hoje (ou talvez amanhã) e vai ser o primeiro dessa lista de seis programas (que, de qualquer forma, indica a data em que passou em antena e o nome dos entrevistados em cada programa).

Para quem quiser, não há que enganar!

10 de novembro de 2007

Um rei sem poderes manda calar um projecto de ditador...

... mas o que eu gostava mesmo de perceber é o que é que Juan Carlos faz naquela Cimeira. É que estes monarcas constitucionais, a bem dizer, não têm poderes políticos reais - e ainda bem, digo eu, já que não foram eleitos. Logo, não há razão para estarem presentes em reuniões políticas, certo?

PS - Gostei que Chavez tivesse chamado fascista a Aznar.
PS 2 - E gostei da resposta de Zapatero: “Pode estar-se nos antípodas de uma posição ideológica, e eu não estou próximo das ideias de Aznar, mas ele foi eleito pelos espanhóis e exijo esse respeito” (Público).

O dia em que me desiludi com a "Visão"

A Visão é (era?) o meu órgão de comunicação preferido. Assino-a há anos, leio -a todas as semanas, concedo-lhe a máxima credibilidade. Nunca me desiludiu. Até hoje!

Ao ler a edição desta semana, deparei-me com um artigo - de título "Estranhas alianças" (não consegui linkar...) - que versava sobre os casamentos em que um dos cônjuges é homossexual. Dito assim, nada de mau parece advir. Pois... Mas, o ângulo de abordagem foi o pior possível!
O artigo - de seis páginas, seis - começa com um "Há quem acredite que é possível ter o melhor de dois mundos, sem perder nenhum." e diz lá pelo meio que "Homossexuais e bissexuais continuam a casar com alguém do sexo oposto, mesmo quando já não precisam de fazê-lo, numa sociedade mais aberta.".
Pergunto eu: quem é a autora do artigo para julgar quem quer que seja? Que eu saiba não é isso que se exige a um jornalista... Mesmo tendo investigado o tema, como é possível dizer-se que um homossexual se casa a pensar em conjugar o melhor de dois mundos? Ou que, se hoje já temos uma sociedade tão "boazinha" para os gays, porque é que estes insistem em querer casar-se com alguém de sexo diferente?!

Até aqui, tudo mal, mas iria ainda ficar pior. Quase a terminar, havia que dar voz aos "especialistas", pois claro. Até para que nós, leigos ignorantes, engolíssemos estes disparates!
Vai daí, toca de lembrar as "pesquisas" do psiquiatra Van den Aardweg, que considerava a homossexualidade "um transtorno de tipo neurótico desenvolvido na infância ou na adolescência".
Já chega? Não. Há ainda que citar Margarida Cordo, terapeuta familiar - ao que consta... - que segue casos em que o cônjuge homossexual se quer "tratar" e que nos diz, então, que "A homossexualidade é um transtorno da identidade sexual, uma doença e tem recuperação.".
E pergunto eu, mais uma vez: a que propósito é que a Visão dá voz, espaço e até holofotes (porque o artigo tem chamada na capa) a gente desta?! É que já ninguém mentalmente e moralmente saudável pensa desta forma. "Ouvir os dois lados da questão", como nos ensinam as escolas de jornalismo, não significa ouvir os loucos!
Gostava de saber se a Visão citaria alguém que dissesse este tipo de alarvidades a respeito de outros assuntos, a respeito dos negros, por exemplo. Claro que não! Porque alguém que se mostrasse preconceituoso nessa área não seria - e bem, e muito bem - considerado especialista de coisa nenhuma.

Não percebo, juro que não percebo, como é que a Visão trata este tema, sob este ângulo, com estar observações, ouvindo gente desta…

9 de novembro de 2007

Eh!Eh!Eh!

"A CNE decidiu ainda instaurar processos de contra-ordenação ao Partido Nacional Renovador e aos movimentos Plataforma Não obrigada, Mais Aborto Não e Juntos pela Vida por não terem prestado contas dos gastos e despesas com a campanha." (PortugalDiário)

8 de novembro de 2007

Gravação na Antena 1

Hoje não houve posts, porque os autores aqui do Margem Esquerda estiveram, na Antena 1, a participar na gravação do próximo programa homónimo do Pedro Rolo Duarte. A entrevista aos dois bloggers aqui da casa vai, então, passar na rádio no próximo domingo, às 11h da manhã, horário habitual do programa.
Sintonizem!

7 de novembro de 2007

Tenham paciência: Santana está a adaptar-se

Pois o debate não correu como Santana Lopes queria!
Diz que se está a adaptar "no regresso a estas lides"... O que Santana ainda não percebeu é que não se devia adaptar, devia mudar de estratégia, devia, por exemplo, começar a trabalhar um bocadinho de vez em quando para dar um arzinho de quem sabe do que está a falar. É que o mito de que é imbatível em debates, que é um tribuno temível, etc., etc., etc. já caiu por terra há uns anos!
Ainda assim, Santana ainda vai dizendo que hoje é que vai ser, que hoje é que vai ter a sua intervenção... Pois... Claro...

Política lusa

Não deixa de ser estranho que, há cerca de uma semana, os deputados do PS tenham votado contra a proposta do CDS de incluir a vacina contra o cancro do colo do útero no plano nacional de vacinação, com o argumento de falta de bases científicas, para agora o governo PS a vir incluir no orçamento, independentemente dos resultados dos estudos técnicos...

Estando ou não no Orçamento...

É impressão minha ou a trapalhada das Estradas de Portugal ficou mal explicada? Esteja ou não no Orçamento, quer-me parecer que há mais "vida" para além disso, nesta história... Claro que era o orçamento que ontem estava em discussão, mas aquilo que interessa à opinião pública tem muito mais que ver com privatizações, portagens, prazos de concessão, enfim, tudo o que ainda não se percebeu como se vai processar no futuro.
Louçã puxou por Sócrates, mas este não se descoseu. Aguardemos para ver os contornos reais em que este processo se vai desenrolar e esperemos não vir a ter mais um caso semelhante ao da Lusoponte...

E o PCP? Que tal esteve o PCP?

Mais do que a proposta de descida do IVA de 21% para 20%, no próximo ano (e para 19% em 2009), gostei de ouvir as críticas do PCP à manutenção dos benefícios fiscais para o offshore da Madeira.
O tema está velho e gasto, mas, enquanto continuarmos a enterrar ali milhões de euros, todos os anos, faz sentido trazê-lo "à baila".

6 de novembro de 2007

E o derby?

O Benfica-Sporting de hoje, que devia ter tido lugar no Parlamento, foi um flop. Mas só quem não conhecesse Santana Lopes podia esperar algo diferente... Como sempre, não fez o "trabalho de casa" e foi superficial. Com ele a dirigir o grupo parlamentar do PSD, Sócrates vai ganhar sempre por falta de comparência do adversário!

Boas notícias

"O primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou hoje a ampliação dos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), que passará a integrar pela primeira vez um programa nacional de saúde oral, a vacina contra o cancro do colo do útero e o apoio à procriação medicamente assistida." (Público)

5 de novembro de 2007

Alguns aspectos da esquerda

Dentro do grande tema que é a definição da esquerda dos nossos dias, a obra de Nick Cohen não é das melhores. What's Left? (no título original) tem, no entanto, lugar de destaque por ter sido traduzida para português.
Mais do que a crítica à esquerda liberal, construída a partir da oposição desta corrente à guerra do Iraque (teoria com a qual não concordo inteiramente), interessam-me outros pontos de vista do autor. Pontos de vista que ficaram hoje delineados na entrevista ao Público:

1. "O que tento fazer é mostrar como algumas ideias que começaram na extrema-esquerda, que nasceram dos restos do socialismo, nos movimentos trotskistas, anarquistas, anti-globalização, nas franjas como você diz, se transformaram em ideias comuns do maisnstream liberal."
A verdade é que muito daquilo que tem servido para caracterizar a esquerda em geral - e o centro-esquerda em particular - nos últimos 10 anos tem tido a sua génese nos partidos de "extrema-esquerda". Exemplo disso são as chamadas "questões fracturantes", geralmente trazidas para a agenda - política e mediática - por estas forças mais extremistas, gerando, posteriormente, a adesão das forças mais "moderadas". Exemplos concretos: a despenalização do aborto, do consumo de drogas leves, casamentos homossexuais, etc.
Não sendo o facto negativo por si (porque os resultados têm sido importantes), é de estranhar que sejam as "franjas" a empurrar o "mainstream" e não o contrário. Neste processo, encontramos uma inversão daquilo que era o sentido tradicional da esquerda: uma passagem da defesa dos direitos sociais para uma defesa muito mais acérrima dos direitos individuais. Goste-se ou não, é um facto que veio para ficar. O que interessa perceber é que este facto nasceu no extremo e só depois tomou o centro. Não foi, pois, o centro que inflectiu consciente e coerentemente o seu fluxo de actuação, por o considerar mais importante nos dias que correm.

2. "O que perdeu, o que o Labour deixou cair, foi o sentido de missão, de fé."
Esta é (infelizmente) característica comum aos vários governos de centro-esquerda. Ao tornarem-se mais pragmáticos, ganham algo, mas perdem muito. Se os dogmas não são bons conselheiros, também é facto que a perda das utopias faz com que a identificação dos eleitores (de esquerda) esmoreça. Aos partidos de centro-esquerda falta, pois, aprenderem a conciliar pragmatismo - indispensável à governação - com valores políticos coerentes e horizontes a atingir - indispensáveis à credibilidade e à adesão.

3. "As mulheres muçulmanas que vivem na Europa, por exemplo, deviam poder contar com o apoio da esquerda para se poderem emancipar. Mas, por causa do dogmatismo sobre o multiculturalismo, não podem. É a esquerda que hoje lhes diz: isso é a vossa cultura. E qualquer pessoa que se lembre de criticar essa cultura em termos mais duros é logo acusada de ser islamofóbica e racista."
É verdade que a esquerda erra ao fazer do multi-culturalismo um bem supremo. Neste ponto, no entanto, acho que a crítica não se pode aplicar tanto aos partidos de centro-esquerda. Mas este é um discurso que parte de algumas esquerdas e que devia ser, em parte, abandonado. Em parte, porque, se, até um certo ponto, o discurso multi-culturalista promove a tolerância - o que é altamente positivo -, a partir de certa altura, o mesmo discurso abre espaço ao relativismo.

A ler!

A entrevista de Nick Cohen, autor de O que Resta da Esquerda?, agora publicado pela Aletheia, no Público de hoje!

1 de novembro de 2007

(In)sucesso escolar

Coincidentemente, na semana em que a ministra da Educação veio anunciar a descida da taxa de insucesso escolar no ensino secundário, a filha de uma amiga minha, que frequenta o 11º ano, estudava a VÍRGULA e o COMPLEMENTO DIRECTO para um teste de Português...
Com objectivos cada vez mais reduzidos para cada nível de ensino, com os níveis de exigência a roçarem o ridículo, com os meninos a aprenderem no secundário aquilo que eu aprendia na primária, é realmente muito fácil fazer subir as taxas de sucesso das nossas criancinhas.
Não ter negativa, no 11º ano, por se saber identificar complementos, numa análise morfológica, é diferente de não ter negativa, no mesmo ano, por se saber fazer um comentário coerente sobre o "Sermão de Stº António aos Peixes", não? A mim, de repente, parece-me que é mais fácil agora... E que isto não indica sucesso nenhum.

Traçado do TGV segundo a CIP

Fui eu que percebi mal, ou, segundo o estudo da CIP (ou melhor, o estudo sabe-se lá de quem, coordenado pela CIP), para se ir de Lisboa ao Porto (ou do Porto a Lisboa) de TGV, os utentes têm que ir fazer "inversão de marcha" à outra margem?!
Sai-se de Lisboa em direcção ao Norte? Não, sai-se em direcção ao Sul, atravessa-se o Tejo e, no terminal do aeroporto de Alcochete, é que se toma a direcção que realmente se pretende... Volta-se, portanto, a atravessar o Tejo (noutra zona, claro, senão era demasiado escandaloso) e segue-se para Norte!! E vice-versa, claro!
Além da incongruência óbvia (que até um miúdo de 5 anos consegue distinguir), esta proposta é imoral. Primeiro, porque a sua construção dificilmente sairá mais barata do que a construção de uma linha, digamos, "normal". E somos todos nós quem paga estes devaneios.
Depois, porque uma linha com este traçado faz com que uma viagem de 300 km passe a somar mais uns poucos, tornando-se, por isso, mais demorada e mais cara.
Pagamos mais do que seria necessário para ser feita, pagamos mais do que seria necessário para a usarmos e demoramos mais tempo a chegar ao nosso destino! Parece-me que é a solução perfeita...

31 de outubro de 2007

Super Bock Super Blog

A Super Bock está a organizar o primeiro "Super Blog Awards" e o Margem Esquerda já está inscrito (link na coluna da esquerda)!
Concorremos na categoria "Actualidade, Notícias e Media".
Durante os próximos oito meses, o site da Super Bock está a aceitar inscrições; depois... virão as votações! ;)

Isto está bonito...

"Europe's highest court yesterday cleared the way for a spate of takeovers of state-influenced companies throughout the EU when it struck down a 1960 German law protecting Volkswagen from outside bids." (Guardian)

O TJE considera que a golden share do Estado alemão na VW contraria as regras europeias de livre circulação de capital... Em 2003, tinha sido o Estado inglês obrigado a pôr fim à golden share no operador de aeroportos...
E, depois disto, o que virá?

Porque o feminismo ainda faz sentido...

...e porque os direitos multi-culturais têm limites e não podemos aceitar que as práticas seculares dos outros ponham em causa direitos básicos consensuais que levámos milénios a pôr de pé, aqui vai o link de uma petição contra a mutilação genital feminina (excisão), a ser enviada ao Comissário Europeu para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária.

Os objectivos são o de aprovar leis que façam da Europa um local de "tolerância zero" relativamente a esta prática, o de condicionar o envio de ajuda a países africanos ao seu esforço para erradicar esta prática, o de levar o assunto a conferência intergovernamentais entre países da UE e países africanos, o de financiar ONGs que trabalhem nesta área e campanhas informativas sobre o tema e o de tornar a mutilação genital como razão válida para se pedir o estatuto de refugiado.

Assinem!

Ainda a Educação

Apesar do repto lançado pelo Filipe no post anterior, terei que deixar esse tema para mais tarde. Para a semana, prometo! Até lá, temos que voltar à Educação. É que há tanto para dizer...

1. A blogosfera de direita cresceu um palmo com a suposta conclusão (retirada dos rankings formulados a partir das notas nos exames nacionais) de que as escolas privadas são muito melhores do que as escolas públicas.
É verdade que o topo da tabela é em grande parte ocupado por escolas privadas. Mas o fundo da mesma tabela também!! O ensino privado não é o "paraíso na Terra", como agora aparecem tantos a defender. As escolas privadas têm problemas, tal como as públicas, com a desvantagem de não terem na sua base os princípios sociais que norteiam o serviço público de educação.
Se o ensino privado e o ensino público estivessem em posições tão antagónicas em termos de sucesso (como agora é moda fazer ver...), os seus resultados nos exames não seriam tão próximos. Como nos diz o João Vasco, no Esquerda Republicana, a média do ensino público é de 10,05 e a do ensino privado é de 10,75! (É realmente enorme a diferença entre o privado e o público! Destes números só se pode concluir que as escolas privadas têm um ensino fantástico e que as públicas se estão a borrifar para a aprendizagem das nossas crianças.)
As médias são semelhantes, porque o ensino no privado e no público é, em média, semelhante. Há óptimas escolas e péssimas escolas. Públicas e privadas num caso e noutro! Porque é que a direita ainda teima em diabolizar o serviço público de educação? Porque este garante igualdade de acesso? Porque este garante uma igualdade equitativa de oportunidades mínima, ao tratar todos de forma igual, independentemente de "lotarias sociais" e "lotarias naturais"? Ou por este prestar um ensino que, pelos vistos, não fica atrás daquele que é prestado pelas escolas privadas? Deve ser isto que enfurece a direita anti-Estado-Social...


2. As escolas públicas têm, no entanto, um problema que seguramente não atinge tanto as escolas privadas (que podem seleccionar os seus alunos). É um problema que ainda atinge uma minoria das escolas e uma minoria dos professores, mas não deixa de ser grave por isso: falo da violência, claro. Contra isto, devia actuar-se enquanto é tempo, ou seja, enquanto o problema ainda não se generalizou.
Mas a ministra da Educação parece não pensar assim. A prová-lo está o recém-aprovado Estatuto do Aluno, que passa agora a impedir a expulsão de alunos. Esta medida era aplicada raramente, mas existia: estava lá para que se soubesse que atitudes-limite tinham penas-limite. Agora não. A autoridade dos professores dentro das salas de aulas (e fora, que casos de carros riscados e pneus furados toda a gente conhece) vê-se, assim, ainda mais reduzida.
Maria de Lurdes Rodrigues veio ontem dizer que “a violência e a indisciplina são factos marginais e de incidência muito reduzida”. A violência, talvez; a indisciplina já não é nada marginal e reduzida...
Mas precisamente porque a incidência ainda não é vasta é que a ministra devia olhar para este fenómeno da violência do ponto de vista do professor, que é quem lida com ele. É que é melhor prevenir do que remediar... E não o fez, ao dar, com a nova lei, um sinal contrário àquele que era expectável, que seria o de aplicar penas realmente pesadas a quem faltasse ao respeito aos professores, penas tanto mais graves quanto mais o caso configurasse atitudes violentas.
E reforçou esse sinal ontem ao desvalorizar aquilo que o PGR disse umas horas antes (e que já havia dito na célebre entrevista ao Sol). Pinto Monteiro defendeu a prevenção da violência nas escolas devia ser prioritária, principalmente para não criar uma sensação de impunidade nos jovens. Defendeu também que, quando ocorressem, estes casos de violência escolar deviam ser encaminhados para o Ministério Público, de modo a serem deduzidas acusações contra os alunos que praticarem actos de violência.
Que diz a ministra? Que está serena e que não há motivos de preocupação... E, assim, o Estatuto do Aluno muda para que tudo fique igual. Ou pior.
E quem quiser bater num professor, esteja à vontade, que não é expulso, o professor não é encaminhado para o MP e a escola ainda é considera segura "para as crianças", no final...

28 de outubro de 2007

Contradições?

Programa Eleitoral do PS, de 2005 (o tal que apontava as directrizes do actual governo):

“O PS entende que é necessário reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia, pelo que defende que a aprovação e ratificação do Tratado deva ser precedida de referendo popular, amplamente informado e participado”.


Declarações de Sócrates este fim-de-semana:

"A ratificação pelo Parlamento é tão válida quanto a ratificação por referendo";

"Como não dissemos como vamos fazer, naturalmente as duas possibilidades estão em cima da mesa";

"... todos os que acham que foi feita uma promessa por dois partidos de que haveria referendo...".

E é assim que se faz política em Portugal...

26 de outubro de 2007

Aberrações legislativas


Texto de psergio57

O Governo aprovou as regras para avaliação dos professores e o estatuto do aluno. Depois de fazer orelhas moucas aos reparos do Provedor de Justiça, relativamente à constitucionalidade do concurso a professor titular, Maria de Lurdes e a sua equipe podem considerar-se felizes.
A estratégia de ataque e a lavagem cerebral junto da opinião pública em relação aos professores, conseguida com a ajudinha inestimável dos órgãos de comunicação, deu assim os seus frutos (já dizia alguém que os portugueses sabem muito sobre o mester alheio e pouco sobre o próprio...).
Aprovaram-se regras para professores e alunos que vão, milagrosamente, promover o sucesso tão almejado.

Para os primeiros uma avaliação extremamente burocratizada, que vai instigar o individualismo (quem vai querer partilhar materiais?), o amiguismo e o controlo num sistema de cotas - algo que já se vai desenhando.
Basear a avaliação num concurso profundamente injusto só vai piorar, parece-me, o já de si degradado ambiente na Educação.

Para os segundos e no sentido de melhorar a qualidade das aprendizagens, eis aí o Estatuto do Aluno... Depois da pressão de décadas para se aprovar toda a gente e do primado do fácil, o estatuto contém indícios preocupantes de querer perpetuar a balda e o passar de ano sem ser assíduo. Sem uma palavra sobre a revisão de programas e currículos obsoletos.

Toda esta aberração legislativa leva a marca do economicismo e do autoritarismo que caracterizam este executivo.

Texto de psergio57

Convite!!!

O Margem Esquerda completa hoje o seu primeiro mês de existência blogosférica e,
para comemorar a data, decidimos convidar um dos nossos comentadores habituais a colocar um post neste blog.
Na hora de decidir quem seria, optámos por um professor! Porque se aprovavam as regras de avaliação do corpo docente, assim como o Estatuto do Aluno, e queríamos, aqui no blog, o ponto de vista de quem VIVE estes assuntos.
O nosso comentador/professor aceitou!
O post aqui em cima é do psergio57!

25 de outubro de 2007

A galinha do meu vizinho, afinal...

Depois de ter visto a entrevista dos Maccan ao canal espanhol "Antena 3", prometo não dizer mal dos jornalistas portugueses nos próximos dias...
Que horror! "Aquilo" é jornalismo?!

Ranking das escolas

E hoje faço minhas as palavras de Vital Moreira!
Inteiramente de acordo!

24 de outubro de 2007

"Não" ao Tratado igual a "sim" à saída da UE?!!!

Vital Moreira continua a manter aqui que o referendo ao Tratado Reformador não faz sentido, uma vez que, sendo um documento complexo, não permite que as pessoas compreendam o que, de facto, se pretende decidir.
No entanto, relativamente aos posts anteriores mais recentes, acrescenta que, "por princípio", considera que "os referendos devem incidir sobre questões políticas concretas, a ser depois vertidas em leis ou tratados pela AR".
Abre, assim, caminho para o que vem depois dizer aqui: faça-se, então, um "referendo europeu a sério, ou seja, um referendo sobre a permanência de Portugal na UE"!! Na sua opinião, o Tratado devia ser ratificado pelo Parlamento e, depois, perguntava-se ao povo português se o país deveria ou não manter-se na União Europeia. E sugere mesmo a pergunta: "Portugal deve sair da UE?" (espera-se que os cidadãos saibam o que quer dizer "Portugal", "sair" e, especialmente, "UE"...)

Esta ideia - que terá certamente muitos defensores - mantém o caminho de que já falei aqui: atirar areia para os olhos dos cidadãos e brincar com o regime democrático.
Primeiro, Vital Moreira faz a sua análise esquecendo sempre que, durante a campanha eleitoral para as legislativas, todos os partidos defenderam o referendo ao Tratado. Esquece, pois, que, independentemente da sua opinião pessoal, há uma obrigação moral dos partidos (nomeadamente PS e PSD) de levarem o Tratado a referendo, porque o prometeram aos seus eleitores. A análise das questões concretas não pode ser feita friamente, colocando a ética política de lado. Vital Moreira pode manter a sua posição de princípio, mas, simultaneamente considerar que, neste caso, uma vez que foi prometido e que as promessas são para se cumprir, deve haver referendo.

Em segundo lugar, Vital Moreira brinca com a ideia de referendo. Sugerir que se referende a saída de Portugal na UE só pode ter esse nome: brincadeira! É óbvio para todos que essa é uma não-questão. Todos sabemos que a grande (enorme, gigantesca) maioria dos portugueses não deseja abandonar a UE. Actualmente, poucos contestam a integração europeia; contesta-se, sim, o caminho seguido nessa integração (principalmente, a partir de agora).
Levar a refrendo a questão proposta por Vital Moreira significa, por isso, brincar às eleições. O que é que se pretende? Sabe-se, à partida o que iria (felizmente) acontecer: uma votação albanesa no "não" (não deve sair da UE, claro). Porquê gastar recursos e tempo (político) com um referendo deste tipo? Cheira-me que para, no final, retirar ilações "alargadas" dizendo que o desejo de permanência na UE equivale a um "sim" ao Tratado Reformador (ouviríamos certamente dizer que os portugueses tinham compreendido que o Tratado - que era ilegível e, como tal, irreferendável - se ajustava aos caminhos que a Europa tinha pela frente, etc.)...

Sabendo que seria acusado de estar a entrar por caminhos demagógicos com esta proposta de referendo, Vital Moreira encontra uma fórmula para se proteger: "a generalidades dos opositores dos tratados de revisão são na verdade contra a UE". Não é verdade!!
São muitos europeístas que não se revêem neste Tratado. Ou porque a futura figura do Presidente do Conselho deixará de ser desempenhada pelos primeiros-ministros ou Presidentes, rotativamente, de TODOS os Estados-membros; ou porque a Comissão deixará de ter um comisário por país; ou porque se vê o poder dos pequenos países dimínuido e o dos grandes países aumentado; ou porque a carta dos direitos sociais abandonou o articulado para passar para um anexo (o que, obviamente, lhe confere menor importância); ou porque as decisões deixarão de ser tomadas por unanimidade de países; ou porque este Tratado, apesar das novidades introduzidas, em nada clarifica como realmente se vai processar a política externa e de defesa europeias; ou...
Enfim, são muitas as razões pelas quais são muitos os defensores da UE que se opõem a este Tratado! São, pois, muitos os que votariam "não" num referendo ao Tratado e, simultaneamente, votariam "não" no referendo relativo à saída da UE! E é isso que Vital Moreira sabe perfeitamente. Sabe perfeitamente que, no primeiro caso, o risco de o "não" ao Tratado ganhar é elevado, enquanto que, no caso que sugere, a probabilidade de vencer a hipótese de saída da Europa é inacreditavelmente baixa. Com o primeiro, o governo ver-se-ia metidos num imbróglio; com o segundo, recolheria louros. É essa a questão política concreta...

22 de outubro de 2007

Depois do pagamento, espera-se justiça

Jardim Gonçalves pagou a dívida do filho. E deve esperar que, assim sendo, o caso morra por aqui... Pagar a dívida era o mínimo que podia fazer! Espera-se, agora, que a investigação continue, não sendo em nada condicionada por este pagamento feito à pressa e apenas porque o caso da dívida de Jardim Gonçalves júnior rebentou nos media (se esta história não tivesse tido projecção mediática, a dívida manter-se-ia por toda a eternidade...).
O banqueiro veio dizer também que não sabia que o crédito do filho tinha sido declarado incobrável pelo banco a que presidia. Mas há alguém que acredite nisto?! Como se fosse possível nunca lhe ter chegado a informação aos ouvidos...
Jardim Gonçalves também diz que nunca beneficiou do empréstimo do filho. Nisso já se acredita: porque que é que um dos homens mais ricos de Portugal necessitaria de beneficiar de empréstimos alheios?! Por favor... em que é que isto torna a situação menos vergonhosa?
Este caso é o espelho da sensação de impunidade que reina no nosso grande capital. Tudo lhes é possível, tudo lhes é permitido, nada lhes acontecerá em caso algum. Espero que isto não possa ser verdade. E que esta sensação de que vêm gozando se estilhace (de vez?). Tenho dúvidas, mas quero acreditar que a investigação vai conduzir a resultados sérios.
Conceder um crédito de montantes tão elevados sem garantias bancárias trata-se de um óbvio favorecimento: só foi possível porque se tratava de quem se tratava. E isto, mais do que uma imoralidade, TEM que configurar uma ilegalidade. Não vai poder ser possível um caso destes passar ao lado da lei. Espero.

Big Brother is watching you

O meu telemóvel também faz uns "barulhos esquisitos"...

Festejar vitórias da direita

Os liberais ganharam as eleições legislativas na Polónia. Mesmo sendo um partido de direita e estando longe, muito longe, da defesa do modelo social europeu, a Plataforma Cívica não é ultra-conservadora. É, por isso, "menos má" do que o Partido Direito e Justiça dos gémeos Kaczynski. Devemos, agora, deixar de assistir a episódios ridículos, como a proibição de passagem dos "Teletubbies", porque o elemento de cor roxa induzia a homossexualidade, e outros que tais... O novo primeiro-ministro, Donald Tusk, prometeu também retirar os soldados polacos do Iraque e realinhar o país com a UE. Alegremo-nos com isso!
No entanto, se Jaroslaw Kaczynski, o primeiro-ministro cessante, ficou arredado da cadeira do poder, o seu irmão, Lech Kaczynski, mantém-se na presidência da República até 2010, pelo que é de prever que tente bloquear o trabalho do novo governo. O semi-presidencialismo tem destas coisas, sabemo-lo bem.
Uma nota de pesar: a esquerda conquistou apenas a terceira posição nestas eleições... A aliança Esquerda e Democratas, que unia os partidos do centro-esquerda, ficou atrás do partido dos Kaczynski, que foi a segunda força política mais votada e vai, assim, chefiar a oposição. Não conheço suficientemente o actual contexto polaco para fazer análises profundas, mas mesmo tendo em conta a sua História, parece-me que um país que prefere um liberalismo duríssimo (que é o que aí vem) E um conservadorismo assustador é um caso preocupante...

19 de outubro de 2007

Bons posts em blogs de esquerda!

Dois excelentes posts de João Rodrigues, publicados no Ladrões de Bicicletas, sobre sistemas de saúde. À esquerda e à direita.

Recurso de casal homossexual entregue no TC

"As duas primeiras mulheres que tentaram casar em Portugal e viram esta pretensão recusada entregam esta sexta-feira o recurso no Tribunal Constitucional (TC)..."
"Segundo o advogado de Teresa Pires e Helena Paixão, as alegações fundamentam-se na Constituição da República Portuguesa que proíbe qualquer tipo de discriminação, nomeadamente com base na orientação sexual."
"'Dado ser um caso que diz respeito a pessoas, os recursos podem ir subindo. A maioria termina no Supremo Tribunal de Justiça, pois para subir ao Tribunal Constitucional é preciso convencer os juízes de que há fundamento constitucional', o que aconteceu neste caso, explicou.
Este processo deu assim entrada no TC, o que para o advogado constitui já uma 'primeira vitória'."
"As alegações do recurso a ser entregue hoje pelas 14:30 no tribunal vão acompanhadas por oito pareceres favoráveis ao casamento das duas mulheres, concedidos de forma voluntária e gratuita por professores universitários de diversas áreas científicas." (PortugalDiário)

E eu espero que o Tribunal Constitucional dê razão a este recurso.
Há uma clara contradição entre a Constituição e o Código Civil neste aspecto.
E é incrível que, no nosso país, os casais homossexuais se vejam ainda coarctados nos seus direitos básicos.

18 de outubro de 2007

Qual é a versão verdadeira?

Acabei de ver Carvalho da Silva, em entrevista à SIC Notícias, explicar que a CGTP não assinou o acordo entre os parceiros sociais sobre a flexigurança (ou flexisegurança?), porque não cabia a nenhuma central sindical nacional fazê-lo. Apenas a CES, ao que parece, assinava o dito acordo, fazendo-o em nome de todos os sindicatos europeus.
O que terá acontecido é que a CGTP votou contra esta assinatura aquando da discussão interna da CES, tendo sido acompanhada, neste seu voto negativo, por "cerca de um terço" dos sindicatos aí representados.
Não sei qual das versões da história corresponde à verdade: se a que correu durante todo o dia, segundo a qual a CGTP teria sido a única intersindical a não assinar o tal acordo de princípio; se a que Carvalho da Silva relatou agora. Mas se o que se tiver passado corresponder ao que o sindicalista contou, então, estamos perante um facto grave. E é grave, porque demonstra má qualidade por parte dos jornalistas que cobriram o evento. É muito mais fácil tratar os assuntos "pela rama" do que aprofundá-los... O problema é que o desleixo acarreta o que parece ter acontecido neste caso: relatam-se factos que não correspondem à verdade (o que, além de tudo o mais, é uma clara violação dos deveres deontológicos dos jornalistas).

Hoje, já ouvi dezenas de vezes o número de polícias envolvidos na segurança da Cimeira. Trocava, de bom grado, essas informações bacocas por uma notícia bem dada acerca da flexigurança e o tão referido acordo...

É agora que vamos saber?

Parece que amanhã podemos acordar com o Tratado-Reformador-do-Tratado-Constitucional-Europeu já aprovado.
Talvez agora se fique a saber se PS e PSD vão realmente virar as costas a uma das mais importantes promessas eleitorais de ambos. Há referendo ou não? No fundo, é isso o que todos queremos saber.
(Já agora, também calhava bem que se começasse a discutir o conteúdo do Tratado para variar! Referende-se ou não, os cidadãos têm o direito de assistir a uma discussão séria sobre o tema entre os principais actores políticos.)

Doclisboa

Começa hoje o Doclisboa 2007. A programação é excelente!

(Destaque para a antestreia nacional de "Sicko" - dia 21, às 21h, na Culturgest -, o mais recente documentário de Michael Moore, desta vez sobre o sistema de saúde norte-americano)

Se não fosse trágico, seria cómico...

"O BCP ficou com uma série de medalhas comemorativas detidas por uma das empresas do filho de Jardim Gonçalves, que estão armazenadas há mais de dez anos, como forma de abater parte da dívida." (Expresso)

17 de outubro de 2007

Contra uma nova Constituição

Espero que a ideia de Luís Filipe Menzes de elaborar uma nova Constituição seja um nado-morto (em princípio, assim será, porque, provavelmente, o PS travará esta intenção). Discordo completamente deste projecto, porque:

1. dizer que a Constituição de 1976 está esgotada é um erro: o texto aprovado no período revolucionário tem-se mostrado (pelas sucessivas revisões que sofreu) maleável, capaz de ser adaptado a novas exigências, a novos tempos. Grande prova disso são a extinção do Conselho da Revolução, a diminuição dos poderes presidenciais, a alteração das normas económicas, a introdução das referências à UE e ao TPI, só para referir os mais "célebres" pontos revistos;

2. dizer que a actual Constituição mantém como meta o "caminho para o socialismo" é demagógico: a referência mantém-se no Preâmbulo, é certo, mas foi extinta do articulado e, a partir da revisão de 1989, muito pouco sobrou daquilo que, em 76, se entendia ser um "caminho para o socialismo";

3. dizer que os problemas que Portugal enfrenta encontram a sua solução numa nova Constituição é mentira: a nossa Constituição, apesar de programática, não aponta um percurso fechado, como se quer fazer ver. Se assim fosse, não encontraríamos diferenças entre os governos de Cavaco e Guterres, de Soares e Santana, etc., etc., no que diz respeito à condução do país, que se faz grandemente através da legislação ordinária;

4. dizer que é necessária uma Constituição ideologicamente neutra é uma falácia: não Constituições neutras!
Uma Constituição (mesmo que consuetudinária) contém sempre em si uma forma de organização do poder político e garantia de direitos. Não há Constituição sem referência à distribuição do poder pelos vários órgãos e sem elencagem de direitos que se consideram inalienáveis.
Ora, organização do poder e direitos fundamentais não são (nunca podem ser) "assépticos", pelo contrário, são ideologicamente determinados, dado que partem de um conjunto de valores políticos (que, numa democracia, estão amplamente difundidos).
Assim, a nova Constituição será tão neutra como a actual... o que quer dizer que em nada será neutra: terá tantos preceitos ideológicos como esta. Simplesmente, terá preceitos ideológicos diferentes. E é principalmente a isso que me oponho...

15 de outubro de 2007

Gato Fedorento - Video de Agradecimento dos 3% défice

Gato Fedorento - Noticias (14/10)

Oposição pela esquerda?!

Eis como o PSD de Luís Filipe Menezes não vai cercear "direitos existentes no Estado Social”: fazendo uma nova Constituição que não contemple “preceitos ideológicos”. Sem estarem constitucionalmente garantidos – o que só acontece se houver uma ideologia de base –, não há, de facto, direitos a cercear. É isto a oposição feita “pela esquerda” do PS?!
Ou a oposição “pela esquerda” revela-se na privatização da água, um bem comum e que deve permanecer nas mãos de todos (leia-se, do Estado)?
Ou a oposição “pela esquerda” está na modernização da legislação laboral, que, entenda-se, deve ainda ir mais longe do que o célebre conceito da “flexigurança”?
E tudo isto consiste “nos valores e na defesa intransigente da social-democracia", como nos diz o grande líder no discurso de encerramento do congresso do seu partido?
Alguém consegue acreditar que seja possível, ao PSD de hoje, defender qualquer medida de esquerda, ou mesmo manifestar qualquer preocupação verdadeiramente social-democrata?!

13 de outubro de 2007

Novo pagamento de custas judiciais: uma incongruência até num Estado-mínimo

Quando pensamos em Estado Social, associamo-lo geralmente à prestação de três serviços-base: a Saúde, a Educação e a Segurança Social. Por que não pensamos na Justiça como um dos pilares do Estado-Providência? Porque esse já era um sector associado ao Estado Liberal, a partir do qual se construiu o modelo social. No fundo, porque o acesso ao direito é de tal forma importante numa sociedade democrática, que até os defensores do Estado-mínimo o entendem como um serviço a ser financiado pelos impostos e prestado pelo poder público.
A expressão Estado-mínimo advém precisamente do facto de se considerar que o Estado deve prestar apenas um mínimo de serviços (cobrando, para tal, um mínimo de impostos) e entregar todos os outros à iniciativa e capacidade da sociedade civil. Deste ponto de vista, ao Estado caberia, apenas, garantir os direitos negativos, os direitos pré-políticos (e que, de algum modo, existem contra o Estado): direito à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança.
Um dos grandes defensores do Estado-mínimo, Nozick – que mais do que um liberal, é um libertário –, afirma que o Estado se deve limitar às funções de protecção contra a força, o roubo, a fraude e o incumprimento dos contratos: é a ideia de “Estado-guarda-nocturno”. Ora, na prática, estas ideias implicam que o Estado sustente polícias, exércitos, tribunais e prisões. Nozick, que comparou os impostos sobre o rendimento a um roubo, sabia ser inevitável cobrar alguns impostos, pois era imprescindível manter um serviço de justiça de forma a manter os direitos básicos dos indivíduos.
Vem tudo isto a propósito de uma das medidas que o Conselho de Ministros aprovou esta semana relativamente ao descongestionamento judicial: a alteração do regime de custas judiciais.
Acho que todos concordamos que é urgente encontrar mecanismos que descongestionem os nossos tribunais. Só assim se conseguirá fazer justiça em tempo útil, o que, de algum modo, significa fazer justiça de facto (pois uma decisão judicial que demora anos a chegar nunca pode ser sentida como totalmente justa).
Porém, acho que o descongestionamento dos tribunais não pode ser obtido a qualquer preço. A celeridade judicial é um meio para atingir um fim, não é um fim em si mesmo. Quando se trata o descongestionamento como um fim, ofusca-se o objectivo real, que é, obviamente, fazer justiça. É o que está a acontecer…
A partir de agora, a parte que inviabilize a resolução de um litígio através de meios alternativos e pretenda recorrer aos tribunais será responsável pelo pagamento das custas do processo, mesmo que o tribunal lhe venha, no final, a dar razão. Por outras palavras, quem não queira pôr fim a um conflito através da celebração de um acordo realizado fora dos tribunais (supõe-se que por considerar que esse acordo não é justo), recorre ao tribunal e, no final, paga, mesmo que acabe por ganhar a acção. Paga, portanto, por ter querido justiça e depois de um tribunal lhe ter feito justiça.
Assim, percebe-se que a resolução aprovada, se não nega direitos, limita-os inevitavelmente. É fácil perceber que serão muitos os que, a partir daqui, enjeitarão a ideia de interpor acções nos tribunais. É, aliás, esse o objectivo do governo. No entanto, isso significa que esta medida, mais do que ser dissuasora, põe em causa um direito – o acesso aos tribunais – que é garante de todos os outros direitos dos indivíduos.
A dissuasão já existia com o pagamento das custas por parte de quem perdia a acção: fazia com que só quem estivesse muito certo de ganhar a causa em tribunal, a ele recorresse, pois, caso contrário, a todas as despesas do processo havia que somar as custas judiciais. Sabendo ir perder, ou tendo dúvidas sobre o desfecho, era já preferível aceitar um acordo antes de chegar à barra.
A partir de agora, dissuade-se também quem julga vir a ganhar a acção, ou seja, a partir de agora, aceitar-se-ão acordos injustos com o mero objectivo de evitar uma despesa. Está bem de ver que serão os mais pobres os primeiros a enveredar por esta escolha…
Se a igualdade de acesso à justiça já era inevitavelmente condicionada pelas desigualdades económicas, o que dizer do que se passará com este novo sistema de pagamentos? E se, por vezes, já existia a sensação de que o nosso sistema nem sempre protegia os direitos dos cidadãos, o que dizer do que se passará com a “obrigatoriedade” (para muitos, assim será…) de resolver os litígios desta forma?
Com esta medida, o governo contraria uma das traves-mestras da nossa sociedade. O que diria o insuspeito Nozick de tudo isto? Provavelmente, que a posse ilegítima estava facilitada… e o princípio da rectificação prejudicado… e que a aquisição (ou transferência) a justo título estavam postas em causa.

12 de outubro de 2007

Al Gore é Nobel da Paz

Queremos saber o que pensam os nossos leitores desta atribuição!

Concordam? Não concordam? Porquê?

Preferiam que fosse outro o galardoado? Quem?

Participem!

11 de outubro de 2007

Bush não pára...

"O Governo de George W. Bush garantiu hoje que fará tudo o possível para impedir a adopção final pelo Congresso norte-americano de um texto a reconhecer o genocídio arménio no início do século XX, um passo que já levou a Turquia, um aliado estratégico dos Estados Unidos, a manifestar a sua indignação." (Público)
Bush é estúpido. Bush ganhou com menos votos do que Al Gore. Bush foi favorecido por uma tramóia no Estado governado pelo irmão e ratificada pelos juízes do Supremo, provavelmente sedentos de benesses.
Bush também não tem princípios. Com a guerra do Iraque, percebemos que não tem vergonha em colocar "interesses estratégicos" (leia-se financeiros, económicos e militares; os seus, de preferência...) à frente dos valores morais mínimos que devem animar qualquer governo democrático (o tal que ele quer exportar).
Mas, nessa época, ainda se deu ao trabalho de inventar uma mentira - a das armas de destruição maciça, lembram-se? - que, pelo menos, convenceu grande parte dos americanos e uma pequena parte dos europeus. Agora, já nem a esse trabalho se vai dando. Bush apenas não quer que o Congresso reconheça o genocídio arménio para não ter problemas diplomáticos com o aliado turco. Ponto. É a realpolitik no seu pior.
Felizmente, só temos que levar com esta aventesma mais um ano!

Ordem espontânea e bens de luxo: resposta

Filipe,
1. por isso é que não acredito na ordem espontânea como expoente civilizacional máximo: porque não garante justiça social;
2. por isso é que, mais do que se taxar o consumo de bens de luxo, se devem taxar as grandes fortunas, independentemente do que é por elas consumido.

Discriminação positiva

Ouvi há pouco, na SIC Notícias, que o novo Orçamento ia contemplar benefícios fiscais para as famílias e empresas do interior do país (em sede de IRS e IRC). Acho bem. Discriminação positiva precisa-se!
Pena é que este princípio de justiça social, aplicável por meio fiscal, venha a ser deixado de aplicar aos deficientes que ganhem mais de 900€ por mês...

Cavaco, Gama e Silva Pereira em Fátima

Não gosto da ideia de Cavaco Silva, Jaime Gama e Pedro Silva Pereira assistirem à inauguração da nova basílica de Fátima. Não acho que se perca a laicidade do Estado por causa disto, mas ter três órgãos de soberania (e as duas primeiras figuras políticas da Nação) representados na abertura de uma Igreja (mesmo sendo "a" Igreja)... acaba por pôr a laicidade entre parênteses durante umas horitas.
E, não consigo evitar, cheira-me a coisa do "tempo da outra senhora"!

A ASAE, que anda por lá, não pode fazer nada quanto a isto?

10 de outubro de 2007

Justiça fiscal

"O Governo vai abdicar de uma receita superior a 135 milhões de euros em 2008 pelo facto de ter decidido não efectuar qualquer aumento do imposto sobre os combustíveis (ISP) em 2008." (Público)

Não era mais justo descer o IVA, quando tal fosse possível?

Autoritarismos dos poderes intermédios

Depois da directora da DREN e da directora do centro de saúde de Viana do Castelo, há agora, na Covilhã, outra personagem - que ainda ninguém sabe quem é - caracterizada por ser "mais papista que o Papa".
Acho que nenhum destes "casos" é desejado pelo primeiro-ministro ou pelos ministros das respectivas tutelas, pois nenhum governante deve pretender ver a ideia (seja certa ou errada) de autoritarismo, que recai sobre o executivo, reforçada por actuações que podem ser lidas como "purgas" ou "rusgas".
Assim, não acredito que as ordens para que todas estas acções sejam levadas a cabo partam dos cargos de topo, mas antes dos poderes intermédios, os quais, de tal forma se desesperam em fidelidade canina, que acabam por prejudicar aqueles a quem querem agradar.
Fala-se muito do quanto este governo tem dado mostras de ser autoritário. Eu concordo parcialmente com esta ideia: julgo que, por exemplo, o novo Estatuto do Jornalista ou a nova lei das forças de segurança têm alguns sinais preocupantes, apontando para essa ideia de restrição de direitos dos cidadãos.
Mas também considero que, nos casos mediáticos que envolvem DREs, centros de saúde, polícias locais, o autoritarismo não está tanto do lado do governo, mas mais do lado de quem tem um "poderzinho", quem ocupa um cargo regional/local, embora por nomeação governamental ou, no mínimo, de acordo com a côr partidária do governo.
Aos poderes intermédios, devia bastar-lhes apresentar um serviço bem executado no termo do desempenho do cargo. O problema é que a dependência destas chefias regionais e locais relativamente ao partido no governo é tão grande que, muitas vezes, os ocupantes desses cargos confundem a execução das suas funções com prestação de vassalagem... e - às vezes lá calha - o desejo de manter o seu "emprego" tolhe-lhes a inteligência, impedindo estes poderes "pequeninos" de discernir as situações em que mais valia estarem quietos.
É claro que a ida de dois agentes da PSP a um sindicato organizador de uma manifestação, na véspera de esta se realizar, só pode ser vista como um acto intimidatório. Mas, provavelmente, este espírito "pidesco" está muito mais presente nos poderes de base, do que nos poderes de topo. E deve-se muito mais à necessidade que sentem de se mostrarem fiéis, do que a directivas nesse sentido.
Este espírito autoritário por parte das chefias intermédias torna-se mais visível nestes casos mediáticos, mas está patente em muitos actos corriqueiros e diários da nossa administração pública. Estes casos mediatizam-se, porque, atingem mais directamente o poder central: Charrua disse uma piada sobre Sócrates, o cartaz do médico de Viana falava de Correia de Campos, era Sócrates quem ia ser vaiado pela manif... Aqui, é mais fácil falar em afastamentos políticos, em delitos de opinião... Mas todos os dias ocorrem dezenas de casos de autoritarismo por parte dos nomeados da nossa administração pública para com o cidadão comum. E estes são mais perigosos, porque não ganham a força da projecção na comunicação social...
Esta situação mantém-se desde há anos, porque se mantém o vergonhoso sistema de nomeações, cuja vastidão (vertical e horizontal) faz com que grande parte das pessoas que chefiam serviços públicos (e chefiam repartições dentro de serviços e... etc.) não seja avaliada pela sua competência técnica, pelo cumprimento (ou não) de objectivos, mas pela "côr da camisola".
Listar os cargos em que se exige uma efectiva confiança política - e, como tal, um exercício de nomeação - e entregar todos os outros a técnicos que saibam o que estão a fazer e que não necessitem de simpatias partidárias para serem considerados aptos para o cargo, é a única forma de pôr fim a grande parte dos episódios deprimentes.
E nisso todos os governos têm culpa: nenhum quis pôr real fim aos jobs for the boys e, assim, pôr fim a estes autoritarismos e incompetências. O problema é que, depois, são os governos a cara das asneiras cometidas pelos seus nomeados... E pelos nomeados pelos seus nomeados...

9 de outubro de 2007

Recorrer a Marx para ler os números do Portugal de hoje

Em Setembro, o índice de expectativa dos portugueses voltou a baixar: estamos mais pessimistas relativamente à evolução da economia do país e da nossa situação económica individual. Segundo o Barómetro Marktest, o valor do índice foi de 35.1% (menos 7.7% relativamente a Julho e menos 19.3% relativamente a Setembro do ano passado).
Por outro lado, a taxa de desemprego atingiu os 8,3%, a mais alta, pelo menos, desde há duas décadas, ultrpassando a taxa de desemprego de Espanha pela primeira vez também em mais de 20 anos.
Estes números são demonstrativos da situação em que se encontra a maioria do nosso corpo social: a classe média empobreceu extraordinariamente, o desemprego atinge faixas cada vez mais díspares da população activa, (quase) todos apresentam pouca confiança no futuro... Resumindo, as políticas de crescimento económico e de criação de emprego não estão a resultar como se previa. "Novas oportunidades" e "plano tecnológico" ainda não deram frutos e está na altura de nos perguntarmos se o caminho que está a ser seguido é o mais correcto.
Mas está também na altura de pensarmos sobre quais as consequências que podem advir da manutenção (ou agravamento) da situação económico-social que vamos vivendo há, pelo menos, seis anos.
Em 1848, no célebre Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels escreviam que "os pequenos estados médios até aqui (...) caem no proletariado" (pág. 44). Estava-se, então, em plena Revolução Industrial. Se, numa terminologia mais próxima dos nossos dias, substituirmos "estados médios" por "classe média" e "proletariado" por "pauperização", percebemos que podemos recorrer de algum modo a Marx para olhar para a realidade portuguesa deste início de século. Porque a classe média caiu, de facto, numa pauperização de que não vê forma de sair.
Claro que Marx e Engels consideravam que uma classe média nunca seria revolucionária; pelo contrário, será mesmo conservadora, pois apenas quereria manter a sua posição anterior, nunca instaurar um novo contexto político-social. No entanto, apesar disso, estes estados médios não deixariam de combater os responsáveis pelo seu declínio, mesmo que "apenas" (para Marx e Engels era apenas...) pela manutenção do status quo.
Neste momento, a maioria da população portuguesa já não vive num estado de apatia tão generalizada quanto há uns meses ou anos atrás. A classe média, farta de apertar o cinto e com baixas expectativas de futuro, já não se encontra tão acomodada, tão receptiva a aceitar todas as políticas governamentais como positivas e sem questionamento. Será que, a médio prazo, se a sua queda (económica e social) não se detiver, é de esperar um desejo de mudança profundo?
Marx e Engels também afirmavam que "todas as classes anteriores que conquistaram a dominação procuraram assegurar a posição na vida já alcançada, submetendo toda a sociedade às condições do seu proveito" (pág. 47), o que havia deixado de acontecer com a burguesia. Assim, quando a maioria da sociedade deixa de ver asseguradas as suas condições de vida próprias, pode (para Marx, deve) revoltar-se.
Numa sociedade democrática e liberal como a nossa, como se pode expressar esta revolta? A História ensina-nos que, nestas fases de crise, as sociedades descontentes - mesmo as democracias representativas - inclinam-se para os extremos políticos. Com tudo o que daí advém. Está, pois, na altura de quem nos governa começar a pensar seriamente nas consequências de políticas que claramente não estão a cumprir os seus objectivos.

Che


4 décadas passaram depressa. Hoje estaria certamente vivo, com 79 anos. Preferiu morrer de pé, do que viver para sempre arrodillado. Um ícone que vale mais pelo que inspira: determinação, confiança, dedicação e juventude; do que por alguma realidade dos factos. A sua imagem gera milhões, mas é capital social. Teria saído mais barato, a todos, fazer como o Maradona, a t-shirt deste só morrerá com o desaparecimento do melhor futebolista do mundo...

8 de outubro de 2007

Atirar areia para os olhos com argumentos perigosos

O DN de sábado apresentava um artigo de título "Tratado Reformador ilegível para os cidadãos". O conteúdo não está mau, explica até algumas das alterações introduzidas relativamente ao primeiro projecto, agora morto e enterrado. Mas não deixa de dizer que se trata de um "texto quase ilegível para leigos", de um "texto jurídico muito complexo, de leitura apenas possível para especialistas". Ora, eu não sou jurista, nem sou especialista em questões europeias e, como tal, não concordo com a afirmação!
Mas isto não é o mais importante. O cerne da questão está no facto de este tipo de afirmações, nos media, dar força à ideia de que não se deve submeter o Tratado a referendo, precisamente por não ser passível de compreensão por parte dos cidadãos, dar força à ideia de que só as elites decisoras foram bafejadas com o privilégio de decifrar esta linguagem hermética, logo, só elas poderão saber se o Tratado é bom ou mau, se deve ser ratificado ou chumbado.
Mesmo que só as cúpulas da União compreendessem o conteúdo do Tratado através da sua simples leitura - o que não é verdade -, isso nunca poderia significar que só eles poderiam tomar a decisão de aceitar ou não um documento tão importante para o futuro de todos. Vital Moreira, por exemplo, esquece isso, ao considerar que a ilegibilidade do Tratado é argumento para que este não seja referendado... Este argumento é perigoso. E, antes disso, é falacioso.
Uma das mais importantes funções dos partidos é a da mediação. Actualmente, pensamos apenas na agregação de interesses ou na ocupação do poder, mas a verdade é que os partidos existem também para fazer a mediação entre os cidadãos e os centros do poder público. São os partidos quem deve "tomar o pulso" aos eleitores, de forma a perceberem as suas sensibilidades, da mesma forma que são os partidos quem deve explicar a estes eleitores as propostas e as medidas tomadas pelo poder político. Melhor ou pior, é a isto que assitimos durante as campanhas eleitorais. E seria isto que poderíamos esperar de uma campanha que antecedesse um referendo sobre o Tratado da UE.
É óbvio que nem toda a gente compreende o Tratado. Da mesma forma que nem toda a gente compreende por que razão se sobem ou baixam os impostos, ou o que significa "apostar na inovação"... Cabe aos partidos explicar à população os pontos positivos ou os pontos negativos do Tratado, de forma a que cada eleitor forme a sua opinião! Tal como acontece em qualquer eleição. Alguém acredita que a maioria da população leia as propostas eleitorais dos vários partidos que se apresentam a eleições? Claro que não! O cidadão comum vai tomando conhecimento (sempre parcelar, obviamente) do que cada partido propõe durante a campanha e depois... depois, vota. Ponto. E, felizmente, o voto de quem tem apenas uma ideia vaga sobre o que os partidos defendem é tão válido como o das elites, que se debruçaram a fundo nas várias questões.
E isto leva-nos a perceber porque é que o argumento usado por Vital Moreira é perigoso: porque, mesmo não sendo essa a sua intenção, abre caminho à ideia de que apenas alguns estão ao nível necessário para participar na vida democrática. Neste caso concreto, nível intelectual: só quem compreende, à partida, o texto do Tratado poderia pronunciar-se sobre ele; como a maioria não o compreende, deixemos isso aos governantes. Erro!
Felizmente, o voto capacitário (que poderia dizer respeito à capacidade intelectual, mas também à capacidade financeira) foi abolido há imenso tempo, no nosso país. Portugal, nesse aspecto, foi até pioneiro, alargando, muitas vezes, o seu corpo eleitoral a faixas da população (nomeadamente, analfabetos e não detentores de bens) excluídas do voto em países apontados como exemplo em termos de democraticidade, como é o caso da Inglaterra.
Hoje, a nossa democracia, que se diz "madura", precisa de tudo menos da defesa de uma ideia que desvirtua o próprio regime. Defender que a aprovação do Tratado não deve passar pelo povo, porque este é ignorante, equivale a contrariar a ideia mais profunda de democracia. A ideia de que o poder reside no povo.
Todos sabemos que o Tratado só não vai ser referendado porque os governantes europeus, em geral, e os portugueses, em particular, têm medo do resultado. Têm medo que o povo o rejeite, como já aconteceu em França e na Holanda, com o anterior projecto. Não o podendo assumir, há que encontrar argumentos que consolidem a oposição ao referendo. A isto chama-se atirar areia para os olhos... Mas mesmo que se esteja contra o referendo, é melhor não utilizar argumentos que podem reabrir caminhos que levaram séculos a fechar.

4 de outubro de 2007

PS de esquerda ou de direita?

João Cardoso Rosas brinda-nos com mais um excelente artigo no Diário Económico. A não perder!

João Cravinho

Que o PS se está a borrifar para o combate à corrupção, já se sabia. Que João Cravinho, dentro do PS, sempre teve uma postura diferente e foi dos políticos que mais FEZ para controlar essa praga que corrói o sistema por dentro, também já se sabia.
Mas é sempre interessante ver o próprio João Cravinho falar das dificuldades que encontrou dentro de um partido dito socialista neste combate. Hoje na "Visão":

“Foi dos maiores choques da minha vida ver que aquela matéria causava um profundo mal-estar, era como um corpo estranho no corpo ético do PS. Apesar de algumas dificuldades que antevia, não contava com uma atitude de absoluta incompreensão para a natureza real do fenómeno da corrupção”;

“Penso que é um fenómeno grave, extenso e sem mecanismos de contenção à altura. Alguns dos meus camaradas não são nada dessa opinião”.

Ainda bem que alguém, dentro do PS, vai pondo o dedo nas feridas.
Agora só falta alguém dizer a que é que se deve este "mal-estar", esta "incompreensão"...

3 de outubro de 2007

Trilogia do sistema eleitoral - 3º episódio: defesa de um sistema misto

De tempos a tempos, a questão do sistema eleitoral é trazida à discussão, para logo morrer. Agora, parece que não está na moda… Mas eu acho-a importante.
O sistema que mais agrada (porque há que ser construtivo) é um sistema eleitoral misto, um sistema que contém em si o sistema proporcional e o sistema maioritário, o que lhe permite conciliar as vantagens e minorar os defeitos de ambos.
Como fazer? Como na Alemanha! Quando um cidadão alemão vai votar, em eleições legislativas, são-lhe entregues dois boletins de voto: um é usado para votar num círculo nacional, segundo um sistema proporcional, o outro é usado para votar num círculo local, segundo um sistema maioritário e uninominal.
No fundo, atribui-se duplo voto a cada eleitor, sendo cada um dos votos utilizado para eleger metade do Parlamento. No círculo nacional, os partidos apresentam listas, cujos nomes são os das grandes figuras partidárias; nos círculos uninominais, cada partido apresenta um candidato, com reais ligações à região e com a função de representar a sua população.
Deste modo, associávamos, em Portugal, a proporcionalidade, permitida pela existência de um círculo nacional – e a consequente representação parlamentar de uma vasta fatia do espectro político e não apenas dos dois principais partidos – às características positivas do sistema maioritário uninominal.

(Ao argumento de que, mesmo assim, os pequenos partidos desapareceriam – pois, com a redução do sistema proporcional a metade do Parlamento (115 deputados), não conseguiriam eleger deputados –, respondemos com a matemática. Se imaginarmos que os resultados das últimas eleições legislativas são obtidos pelo círculo nacional, concluímos que, aplicando o método de Hondt:
- o PS elegeria 55 deputados,
- o PSD obteria 35 lugares,
- PCP e CDS-PP conquistariam 9 assentos cada um
- e o BE elegeria 7 deputados.
Assim se percebe que os três mais pequenos, apesar de verem reduzida a sua representação – actualmente, o PCP detém 14 lugares no Parlamento, o PP, 12 e o BE, 8 –, não sairiam tão prejudicados desta alteração como inicialmente somos levados a pensar. Tanto mais que, como dissemos no “2º episódio”, talvez o PCP – partido que, ainda assim, veria o seu número de deputados mais reduzido – conseguisse eleger alguns representantes pelos círculos uninominais.)